A subversão do sistema
Duas pessoas decidem juntar-se à porta de um lugar público frequentado a distribuir folhetos. As pessoas passam, umas aceitam, outras recusam, algumas não chegam a parar. Se os folhetos forem de publicidade a uma cadeia de supermercados ou a uma loja de uma marca de luxo, essas duas pessoas poderão distribuir até ao fim a sua publicidade. O mesmo acontecerá com os distribuidores de jornais gratuitos, no meio do trânsito ou na rua. Se essas duas pessoas forem distribuir esses folhetos publicitários em frente a um Centro de Emprego, poderão fazê-lo à vontade, ninguém as incomodará. Mas se essas duas pessoas estiverem a distribuir folhetos com informação ao desempregados que entram e saem do Centro, informação sobre os seus direitos, sobre a melhor forma de se organizarem, então correrão o risco de serem identificadas pela polícia (que todos nós pagamos) e serem levadas a tribunal pelo crime de "manifestação sem a devida autorização". Isto aconteceu em Portugal, no dia 26 de Abril de 2012. A comissária Carla Duarte, porta-voz da PSP, veio dizer que um ajuntamento de duas ou mais pessoas já pode ser considerado uma manifestação. Trinta e oito anos depois de uma ditadura que proibia "ajuntamentos" por serem subversivos. Bem sabemos que à polícia muitas vezes falta bom-senso e, sobretudo, conhecimento da Constituição que é suposto defender. Mas este caso, que se soma a tantos outros acontecidos nos últimos meses, é mais um sinal de que alguma coisa insidiosamente preocupante começa a emergir neste país em plena suspensão da democracia. Porque o vulgar polícia de rua não aje desta maneira se não tiver as chefias do seu lado. E no topo da hierarquia está, uma vez mais, o ministério da Administração Interna, o único cujo orçamento foi reforçado para este ano. Miguel Macedo e o Governo PSD/CDS a que pertence sabem muito bem o que estão a fazer. Se isto não é gravíssimo e inadmissível, então começo seriamente a pensar que o limiar da decência há muito foi ultrapassado.