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Arrastão: Os suspeitos do costume.

A tourada e o bom senso

Daniel Oliveira, 05.07.12

 

Não vou aqui, mais uma vez, discutir o que penso da tourada, do que ela significa para as culturas raianas e do sul do País e que têm na relação com o touro um elemento fundamental da sua identidade. O debate fica quase sempre demasiado quente e irracional para ser produtivo.

 

O Bloco do Esquerda (pela mão de Catarina Martins, uma das deputadas que mais respeito pelo excelente trabalho que tem feito na área da cultura) e os "Verdes" propuseram a proibição da transmissão de tourada na RTP e o fim dos apoios públicos - de autarquias incluídas, imagino eu - aos espetáculos tauromáquicos. Discordo. E a minha discordância é independente do que penso sobre a tourada que, como já escrevi mais do que uma vez, é diferente da posição destes dois partidos. A minha discordância tem a ver com a forma como penso que devem ser dirigidos os serviços do Estado.

 

Primeiro: não penso que a programação da RTP deva ser determinada, avulso, pelo Parlamento. Cabe ao poder político definir objetivos genéricos para o que deve ser o serviço público de televisão e criar novas regras para a nomeação do conselho de administração da rádio e televisão do Estado. Como, aliás, o Bloco de Esquerda tem defendido. Ir enxertando na lei da televisão esta e aquela proibição (ou ir alargando proibições que já existem), esta e aquela recomendação, é um mau princípio legislativo que vai contra as posições que o próprio Bloco de Esquerda tem defendido para a autonomia da RTP face ao poder político.

 

Segundo: deve o poder local manter uma relação próxima com as suas populações. É impensável que as câmaras municipais de Barrancos ou de Vila Franca de Xira, só para pegar em dois exemplos, não se envolvam nas principais festas locais. Qualquer lei que assim o determinasse seria naturalmente contornada por estas autarquias. Porque a uma lei não bastam as suas intenções. É preciso que seja minimamente aceitável para a maioria da população a que se aplica.

 

Quem, por forte convicção, quer acabar com a tourada - demanda que não acompanho, mas aceito como legítima - tem de seguir um caminho mais difícil, mas mais seguro: o do confronto cultural. Qualquer lei que a proíba, diretamente ou através de outro tipo de constrangimentos - de divulgação ou financiamento -, está condenada ao fracasso enquanto para partes significativas da população de algumas regiões do País a tourada faça parte da sua identidade cultural.

 

A França, ao que sei, encontrou uma solução inteligente: tem legislação específica para o sul do país, onde a tourada está fortemente enraizada. Parece-me um compromisso aceitável.

 

Escrito isto, acho lamentável que o debate sobre este assunto acabe quase sempre, como acabou numa recente audição pública promovida pelo Bloco de Esquerda (por comportamento desrespeitoso dos defensores da tourada), em insultos. Nem a tourada pode, como já vi num inenarrável anúncio de um movimento de defesa dos animais, ser comparada a maus-tratos a mulheres praticados em alguns países, nem as propostas do Bloco de Esquerda e dos "Verdes" são "fascistas", como disse uma associação de aficionados. Com um debate um pouco mais sereno sobre este assunto poderiam ser encontradas soluções equilibradas. Ainda não parece ter chegado esse momento.

 

Nota final: o único argumento que nunca aceito é o de que "há outros assuntos mais importantes". A natureza deu aos humanos a capacidade de se preocuparem e resolverem vários os problemas ao mesmo tempo. A crise não suspende toda a realidade que exista para além dela.

 

Publicado no Expresso Online

7 comentários

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    fado alexandrino 05.07.2012

    Peço licença para discordar mas antes e para não desatarem ao pontapé considero o post exemplarmente bem escrito e que coloca tudo no seu devido lugar.
    Um aplauso.
    O que acontece é que não há nenhum deputado do Bloco de Esquerda mais a Dona Heloísa que não tenha a certeza de que as ideias e ideais que defendem são as correctas para o povo português.
    Se ste não entende o alcance da medida tem que ser ensinado.
    É isto que se propõem fazer.
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    Rui F 05.07.2012

    Mas os apologistas da troika e da inevitabilidade da mesma, ganham à Heloisa 15-0 em matéria de convicção.

    Vão de burrice em burrice, de canalhice em canalhice, até finalmente abrirem um processo ao Sócrates por danos irreparáveis à Patria.
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    Carlos Marques 05.07.2012

    Então hoje já se pode mudar de tema e "chutar para canto"?

    O Sarko já teve a polícia em casa a investigar esta semana, o Rui F vai dizer que os socialistas franceses são canalhas?
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    Rui F 05.07.2012

    Avacalhar é contigo Marques ;)

    Costuma-se dizer...o roto a falar do esfarrapado.
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    Carlos Marques 05.07.2012

    Se cresceste alimentado a bolota, a culpa não é minha.

    Pegando no tema do post: vai marrar com outro.
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    Rui F 05.07.2012

    tu é que costumas marrar com os posts que não te agradam!
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