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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Vá para fora dentro de casa

Daniel Oliveira, 26.07.12

 

Mais de metade dos portugueses não vai gozar férias este Verão. E da minoria que vai fazer férias, metade ficará em casa. Ou seja, só um quarto dos portugueses é que vai realmente de férias. Os números são do Instituto de Planeamento e Desenvolvimento do Turismo (IPDT). Comparado com 2011, são menos 22% a passar férias fora de casa. E menos 33% do que em 2010. Curiosamente, há mais portugueses a tirar férias neste Verão do que no anterior. Mas muito mais a ficar em casa durante essas mesmas férias.

 

Durante uns anos as nossas elites fantasiaram um País nas suas cabeças: os portugueses iam de férias para Cancun e gastavam à tripa-forra. Confesso que nunca me deixei de espantar com esta possibilidade de viver no meio dos outros e não saber nada sobre eles. Mas isto explica porque tantas vezes se comenta e se governa um País imaginário. Estes números mostram o que qualquer pessoa minimamente atenta sabe: que uma parte razoável dos portugueses já estava, antes da crise, excluída da qualidade de vida que muitos julgavam ser generalizada. E que a crise alargou a muitos outros a impossibilidade de fazer o que devia ser natural.

 

Ir de férias não é um luxo. Sair de casa e da cidade onde se vive, estar com a família e recarregar baterias é, na sociedade que julgávamos estar a construir, um direito. Sim, repito: ir de férias, e não apenas as ter, é um direito. E saber que apenas um em cada quatro portugueses usará desse direito é razão para nos indignarmos.

 

Quando se diz que estamos a viver um recuo civilizacional não é apenas uma frase. Esse recuo mede-se na vida das pessoas. Na impossibilidade de terem filhos e saberem que lhes podem garantir o mínimo de conforto. Na incerteza de que haverá um Serviço Nacional de Saúde que garanta apoio médico a todos. Na lenta destruição de uma Escola Pública que garanta que os filhos dos mais pobres não estão condenados a herdar a condição social dos pais. Numa precariedade que impossibilita o mínimo de planeamento de vida e que torna certa a inexistência de uma reforma que garanta dignidade na velhice. E no regresso da ideia de que as pessoas não são mais do que máquinas de produção, peças de um mercado-de-trabalho, e que o descanso, os fins-de-semana e as férias são coisas de privilegiados.

 

Não me digam que não há dinheiro porque isso é falso. Quando se diz que Portugal é o País mais desigual da Europa diz-se que o dinheiro, mais do que ser pouco, está mal distribuído. Fosse outra a nossa organização social e, este Verão, a maioria dos portugueses poderia sair de casa para descansar e divertir-se com as suas famílias. Como é direito seu.

 

Publicado no Expresso Online

6 comentários

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    Daniel Oliveira 26.07.2012

    Se olhar para a lista dos 25 mais ricos de Portugal e se imaginarmos que o dinheiro que têm não caiu do céu, percebe que ele existe. Como somos o País mais desigual da Europa, bastava sermos tão igualitários como os outros para mais do que 1/4 dos portugueses poderem fazer realmente férias. Isto, produzindo exactamente o que produzimos. 
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    Mário Amorim Lopes 26.07.2012

    Sermos igualitários? Isso é o quê? Eufemismo para roubar?


    E usando esse termo, quer roubar o quê? A classe média não pode roubar, porque já está no limite da tributação. A baixa nem sequer paga impostos, recebe-os.


    Restam esses mauzões dos ricos. Que lhes vai fazer? Tributar a 75% e fazer com que o capital fuja do país? Fazer com que haja ainda menos investimento?


    Falemos sério, não seja demagógico. Eles são ricos porque (exceptuando os casos criminais) trabalharam para isso.


    Enfim, olhe, vá tomar um copo com o Pedro Marques Lopes que ele explica-lhe. Deixe-se de demagogias, já nem o povo vai na cantiga.
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    Daniel Oliveira 26.07.2012

    Ser mais igualtiário, em português, é o contrário de ser mais desigual. É isso que quer dizer. Não consta que os países mais igualitários do Mundo, os Nórdicos, autorizem o roubo.
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    Mário Amorim Lopes 26.07.2012

    Na verdade, o roubo é o meio para atingir o fim, o igualitarismo. Porque ninguém é, por natureza, igual. Há quem trabalhe menos e quem trabalhe mais, quem trabalhe melhor e quem trabalhe pior. Os países nórdicos, que eu muito aprecio, de facto taxam muito quem mais produz, levando a que esses cheguem a Setembro e já não trabalhem mais (conheço uns quantos que fazem isso).


    Mas o segredo dos nórdicos não está aí, no último escalão de 60% de IRS. Está nos outros. O "average nordic" é muito mais educado, formado, culto e responsável que o "average zé". O "average nordic" fala inglês quase perfeito. Mais, o "below-average nordic" fala inglês! O "average zé" é medíocre, e, como tal, temos um país que produz mediocremente. Aqui incluem-se trabalhadores e patrões, também estes de formação limitada.


    Portanto, se o objectivo é um país mais igualitário mas mais pobre (que é o que implica a receita da sua solução, aliás já testada pelo socialismo e pelo comunismo) não, obrigado. Se uma sociedade mais igual é a convergência natural da evolução social e económica (que eu acredito que seja, embora no longo-prazo), então ela é muito bem vinda.
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    João. 28.07.2012

    "Portanto, se o objectivo é um país mais igualitário mas mais pobre (que é o que implica a receita da sua solução, aliás já testada pelo socialismo e pelo comunismo) não, obrigado."

    Esse país mais pobre de que fala, já é Portugal.

    Mais capitalismo, não obrigado.

    Já se percebeu que é mais miséria, desemprego e uns poucos de ricos a gerar a ilusão de que todos o podem ser se trabalharem o bastante. Pois bem, um Estado onde sejam todos capitalistas é um Estado comunista, portanto pode ter a certeza que num Estado Capitalista quem tem o capital vai fazer tudo para garantir que os capitalistas sejam sempre uma minoria.
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