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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Momentos de glória

Sérgio Lavos, 05.08.12

 

Diz-se que a caneta pode ser mais poderosa do que a espada. Mas se derem essa caneta a um cretino, o mais provável é ele espetar-se com ela. Ou então escrever crónicas como Alberto Gonçalves faz, semana após semana, no Diário de Notícias.

 

Esta semana, Gonçalves decide fazer coro com os taxistas deste país e dedica-se a esmiuçar a carreira dos olímpicos portugueses. É de resto hábito comum, o destes colunistas: falarem do que não sabem. Não duvido de que o único desporto que este Gonçalves alguma vez terá praticado terá sido a fuga ao calduço dado pelos colegas desportistas que o perseguiam no recreio do Secundário. Contudo, isso não o impede de ter uma opinião sobre um atleta como Marco Fortes, há muitos anos e de longe o único lançador de peso português de nível internacional, finalista em vários campeonatos europeus e mundiais. Não o impede de uma vez mais insultar o esforço de Fortes e dos outros atletas. Quase todos amadores que chegaram a um nível olímpico acessível a muito poucos. Com provas de classificação em todas as modalidades ou mínimos pedidos pelas federações em muitos casos mais exigentes do que os mínimos olímpicos internacionais, definidos pelo Comité Olímpico Internacional.

 

Veja-se o caso sintomático de Clarisse Cruz. Ontem conseguiu classificar-se para a final dos 3000 metros obstáculos, onde estarão apenas 15 atletas. Na corrida de apuramento, caiu a meio da prova, mas levantou-se a tempo de se apurar e bater o seu recorde pessoal por 10 segundos, acabando a prova a sangrar das duas pernas. Clarisse é, claro, amadora. Funcionária da Câmara Municipal de Ovar, costuma treinar em horário pós-laboral. Mesmo assim, conseguiu chegar a uma final na qual apenas estão presentes profissionais ou amadoras apoiadas por países que estimulam o desporto amador como nunca aconteceu por cá. 

 

Como Clarisse Cruz, há outros casos semelhantes na delegação portuguesa. Por exemplo, a sétima classificada da maratona, Jéssica Augusto, apenas se tornou profissional há três anos. E apenas quando se tornou profissional começou a ter resultados de relevo internacional, entre eles uma medalha de bronze num campeonato da Europa, também em 3000 obstáculos, e um título europeu de corta-mato. Graças à posição obtida anteontem, Jéssica será uma das atletas apoiadas para os próximos Jogos Olímpicos, recebendo a fabulosa quantia de 1000 euros mensais do Estado português, o valor da bolsa atribuída a atletas classificados até ao 8.º lugar nestes Jogos - e isto se o Governo entretanto não cortar este apoio*.

 

De quatro em quatro anos, a mesma história: jornalistas rondando os atletas como vampiros à procura da glória da medalha. Durante quatro anos, conquistas em mundiais e europeus destes atletas são apenas notas de rodapé em serviços noticiosos. Mas de repente, estes homens e mulheres que se preparam com todas as dificuldades inerentes ao desporto amador, transformam-se em depositários de todas as esperanças da pátria. E a esperança é uma medalha, a mais difícil das conquistas. A injustiça de tal pressão sobre os atletas apenas é comparável à idiotice de comentadores como Gonçalves, que nunca fez, nem fará, tanto por Portugal (ou por si próprio) como Marco Fortes ou a atleta que não compareceu a uma regata de vela por estar, imagine-se, grávida de três meses.

 

O que Gonçalves também não sabe - nem nunca tentará saber - é que estes atletas, e todos os atletas olímpicos que se seguirão, irão continuar a trabalhar no duro, a competir entre os melhores, superando-se a cada treino feito depois de sair da fábrica, a cada apuramento para campeonatos mundiais ou europeus, a cada medalha, ignorando - olimpicamente - o que Gonçalves (e outros da mesma jaez) diz. O espírito dos Jogos Olímpicos é isto. Mas, sinceramente, não espero que alguém que se atreve a tirar sarro da morte de Francisco Lázaro mereça perceber tal coisa. A cada qual o seu Inferno pessoal.

 

*O mesmo Governo que já tratou de reduzir as horas da disciplina de Educação Física no Ensino obrigatório, mostrando assim que não tem a mínima intenção de apoiar o desporto escolar, uma das principais forjas de atletas em qualquer país do mundo. Sobre o mesmo tema, ler estas declarações de Mário Santos, chefe da Missão aos Jogos Olímpicos de Londres.

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