A Casa de Mateus usa escritores para homenagear governantes?
Maria Teresa Horta recebeu o prémio D. Dinis, da Fundação Casa de Mateus, por ter escrito "As luzes de Leonor". Vou repetir: uma escritora foi premiada por uma obra que ela, e não outra pessoa, escreveu. E esse prémio foi dado pela Casa de Mateus, não foi dado pelo Estado. Decidiu a Fundação convidar o primeiro-ministro, com as fortes ligações que se lhe conhecem à cultura e à literatura, para entregar o prémio.
Maria Teresa Horta aceitou o prémio. Maria Teresa Horta não aceitou o que lhe parecia intolerável: cumprimentar Passos Coelho. Porque o prémio não foi dado pelo Estado e Passos Coelho nada teve a ver com a obra, a sua atitude é coerente. Para recebermos um prémio não temos de branquear aqueles que, com todo o direito, consideramos coveiros do nosso País e da sua cultura. Como Maria Teresa Horta nada tem contra o prémio ou contra a Fundação, não tinha de recusar nada. Como Maria Teresa Horta tem tudo contra este governo, recusou ver Pedro Passos Coelho associado ao seu nome e à sua obra. Fez bem.
Afinal, a cerimónia de entrega do prémio da Casa de Mateus era condicional: para ser homenageada pelo seu trabalho a escritora estava obrigada a aparecer ao lado do primeiro-ministro. O cheque seguiu por correio e a cerimónia foi cancelada. Segundo o presidente da Fundação, a Casa de Mateus não iria ficar à espera que houvesse outro primeiro-ministro para fazer a cerimónia. Ficar à espera? Mas homenageada era a Maria Teresa Horta ou a Pedro Passos Coelho?
Houve quem achasse que para ser coerente a escritora teria de recusar o dinheiro. Pois a mim parece-me que Maria Teresa Horta não podia ter sido mais coerente: aceitou um prémio atribuído por um júri constituído pelos seus pares. Recusou pousar ao lado de quem nada tem a ver com o assunto e que só se lembra da cultura quando isso lhe dá uma"photo opportunity".
Já a Casa de Mateus enviou uma mensagem aos próximos premiados: as suas homenagens vêm na condição dos escritores aceitarem branquear um governo que desprezem. A Fundação considera-se sobre tutela do governo e considera que os premiados também o têm de estar. Sendo assim, espero que nenhum escritor ou crítico sério volte a aceitar participar nos seus júris. Que a fundação convide Miguel Relvas e Vítor Gaspar e o secretário de Estado da tutela.
Há muitos anos recebi um prémio. Foi-me dado pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio. Aceitei-o, com orgulho, das mão de alguém que, não sendo da minha cor política, eu respeitava como estadista. Se fosse Cavaco Silva a entregar o prémio não teria lá posto os pés. Porque um prémio não serve para comprar o estômago de ninguém. Se a Fundação Casa de Mateus não o compreende, e insulta o premiado para não contrariar um governante, mais valia que não desse prémios a ninguém. Quem não compreende que a escrita é um ato de liberdade não está habilitado para dar prémios literários a escritores.
Publicado no Expresso Online