Da exigência
O Governo que supostamente nos governa honra-se de contar nas suas fileiras com um arauto da exigência e do rigor na educação, um homem que denunciou com fervor e raiva o facilitismo do "eduquês", exigindo que a escola ensinasse a matemática e a língua portuguesa sem contemplações nem cedências. Nuno Crato, o ministro que iria salvar o futuro do país controlando a educação das nossas crianças.
Esqueçamos por um momento que tem sido esse "eduquês" que tem permitido a Portugal escalar nos rankings internacionais na área da educação. Esqueçamos mesmo que esse engulho teve de ser deglutido por Nuno Crato com toda a cautela, sem poder queixar-se. Aceitemos que Nuno Crato acredita naquilo que escreveu e leva-se suficientemente a sério para saber que o rigor e a exigência são as chaves do êxito nesta área. Eu, esquerdista, me confesso: também acredito que sejam. Também acredito que um ensino facilitista, que não tenha o mínimo de exigência e não se regule por padrões de avaliação rigorosos não obterá resultados. É claro que também acredito que, abandonando à sua sorte os alunos com mais dificuldades ou criando-se guetos para quem não tem bons resultados escolares, não iremos longe; regressaremos aliás a tempos medonhos, quando a divisão de classes se fazia desde tenra idade.
Mas adiante. Se Crato acredita mesmo no que diz e faz o que pensa, como se deverá sentir quando se reúne em conselho de ministros ao lado de alguém como o Dr. relvas? O que deverá pensar de mais de metade dos seus companheiros de governação, licenciados em universidades privadas que não são conhecidas pela sua exigência, e com médias que variam entre os 11 e os 13 valores? O que deverá sentir de cada vez que vê alguém como Passos Coelho, cuja progressão na carreira nada teve a ver com méritos académicos ou profissionais, a mandar no país e a dispor do futuro de todos os portugueses? O que achará o rigoroso Crato do atroz domínio da língua portuguesa revelado por Passos Coelho de cada vez que este decide publicar uma mensagem no Facebook? Mau português que, de resto, já tinha sido apanágio de Pedro Mota Soares (também numa mensagem no facebook), de resto um dos licenciados com 11 valores numa universidade privada.
A mediocridade, a falta de cultura geral, o arrivismo - recorde-se a referência de Passos Coelho numa entrevista a um livro de Sartre, "A Fenomonologia do Ser", que não existe nem nunca existiu -, a ignorância básica sobre os assuntos que era suposto dominar (relembre-se a recente trapalhada de, mais uma vez, Passos Coelho, a propósito da gratuidade do ensino obrigatório, prontamente esclarecida por Crato) e a incompetência no domínio da língua portuguesa plasmada nos comunicados e nas mensagens deixadas no Facebook, são a regra neste Governo. A iliteracia grassa no executivo, e o rigoroso Crato continua a sentar-se alegremente na sua cadeira do conselho de ministros. E depois é a esquerda que defende o facilitismo...