O Partido Socialista não se entende em relação à extinção da ADSE, sua integração no SNS ou sua manutenção como hoje existe. Devo dizer que tenho uma certa dificuldade em perceber o desagrado pelas divergências internas sobre este assunto. Não sendo um tema simples é natural que haja opiniões diferentes. Que isso aconteça dentro de um partido parece-me absolutamente natural. Faz-me mesmo alguma confusão que se bata nos militantes dos partidos e nos seus deputados pelo seu seguidismo e, quando aparecem divergências sobre assuntos importantes para o País, isso seja mal visto. No PS, só uma posição me pareceu insustentável: a de José Lello. Defender que o PS deve ter uma determinada posição porque tem muitos funcionários públicos como eleitores é o oposto do que deve ser a política.
Vamos então ao conteúdo. Em fevereiro de 2011 tomei uma posição sobre a ADSE . Não costumo mudar de posições só porque mudou o governo.
Escrevi então que a ADSE, como existe hoje, é "insustentável porque promove a irracionalidade". Expliquei: "Entregamos a gestão de recursos a quem não os paga."
Defendi que, através da ADSE, o Estado contribui para promover o crescimento das empresas privadas de saúdeque assim ganham massa crítica para poder, por exemplo, ficar com os melhores médicos e serviços, contribuindo para a deterioração do SNS.
Defendi também que ela é "injusta". Porque "não há forma de defender que enquanto os trabalhadores do privado estão obrigados, caso não tenham rendimentos para mais, a usar um serviço do Estado, os trabalhadores do Estado nas mesmas circunstâncias possam optar por serviços privados financiados pelo Estado. A mensagem que o Estado passa é a de que o que é bom para os funcionários dos outros não chega para os seus."
E defendi, e isto parece-me o ponto mais relevante, que "a ADSE, para quem se bate de forma coerente pelo Serviço Nacional de Saúde, é indefensável. Porque "é incoerente criticar as parcerias público-privado que dilapidam os cofres públicos ou o cheque-ensino e defender a ADSE. Quem defende que o SNS deve ser para todos e não apenas para os mais pobres não pode depois aceitar que haja um sistema de exceção para os funcionários do Estado." Todos devem ter acesso igual aos serviços públicos e liberdade de escolher, através dos seguros existentes no mercado, o privado.
Deixei claro que o meu discurso não se confundia com os que usam as críticas à ADSE para atacar os funcionários públicos. Que, pelo contrário, correspondia à defesa "de um SNS público e universal e do papel do Estado como prestador de serviços sociais".
Chamei à atenção que a integração de 700 mil pessoas em todos os serviços do SNS não se faz sem dificuldade (exige tempo) e que não podemos esquecer que este serviço faz parte das condições em que os funcionários públicos foram contratados. Ou seja, entre a minha posição de princípio, que me parece politicamente coerente, e a sua concretização prática há muitas coisas a discutir. Mais: estou seguro que nada disto que move um governo que defende o cheque-ensino e a concessão de serviços públicos a privados. Na realidade, a posição do PSD nesta matéria é que me parece incoerente.
Resumindo, a esquerda - PS incluindo - deve fazer este debate. Já o deveria ter feito. Ignorando se o seu eleitorado é composto ou não por funcionários públicos. E tendo em conta que o seu eleitorado espera que defenda de forma coerente o Estado Social e os serviços fundamentais que o Estado presta aos cidadãos. Para defender os funcionários públicos existem os sindicatos, que devem bater-se com vigor pelas melhores condições contratuais possíveis para aqueles que representam. Os partidos estão obrigados a um olhar mais global e a alguma coerência nas suas posições políticas.
Sobre a conferência clandestina que Pedro Passos Coelho organizou, escreverei na edição do "Expresso" em papel.
Publicado no Expresso Online
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