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Arrastão: Os suspeitos do costume.

A birra italiana

Daniel Oliveira, 27.02.13

 

Muitos sociólogos e politólogos analisarão os resultados das eleições italianas e os mais de 25% conseguidos por Beppe Grillo. Um comediante abastado que se começa a levar a sério. Que defende um rendimento de cidadania de mil euros, a saída do euro, a diminuição dos salários dos políticos e a redução da semana de trabalho para 20 horas. Defende-o, esclareça-se, com a convicção de um stand up comedy.

 

Os estudiosos falarão do cansaço dos eleitores. Dos efeitos de um governo imposto pela Europa que, nas urnas, valia 10%. Da crise económica e dos seus efeitos. Da desagregação da vida política e das instituições italianas. Dainexistência de alternativas, em que à sucessão de nascimentos e mortes de partidos políticos não corresponde a renovação de políticos, sempre os mesmos, sempre velhos. De um centro e de uma direita que, durante décadas, associadas à Mafia e à Igreja, cumpriram a função de suster o comunismo e, quando se tornaram inúteis, se afundaram na lama em que viviam, desembocando no triste espetáculo do partido-empresa de Berlusconi. De um grande partido de esquerda que, de eleição para eleição ganha uma consistência cava vez mais gelatinosa e tonalidades cada vez mais cinzentas. De uma outra esquerda que vive em dissensão permanente.Ninguém consegue mobilizar ninguém e, tal como cá, já só se vota contra alguém. De um País que são dois e que nem na Europa se conseguiu unificar. Deum sistema eleitoral absurdo que promove o disparate. De uma televisão dominada por Berlusconi que tratou de embrutecer a vida pública italiana...

 

Tudo considerações importantes. Cada uma delas dava para um artigo. Mas deixem-me que trate o assunto de outro ponto de vista. Que não trate o povo e os eleitores como mero objeto de estudo, apenas reativo às suas circunstâncias, mas como ator político consciente. Mesmo que respeitemos os resultados de todas as eleições, como temos que respeitar, isso não quer dizer que eles não mereçam um debate que responsabiliza os eleitores pelas consequências das suas escolhas.

 

 

Já o escrevi várias vezes: a democracia não é um centro comercial, onde se escolhe, à última da hora, o produto que se quer comprar. Aqui o cliente não tem sempre razão. Porque o cidadão não é cliente e as escolhas políticas não são produtos. A democracia é dos cidadãos e é feita pelos cidadãos. Se funciona mal a culpa é nossa. Um povo que realmente se revolta e quer ser consequente com a sua revolta luta por alternativas. O discurso populista contra os "políticos" (como se não fossem eleitos por nós) e o voto inconsequente de mero protesto - como se o protesto pudesse ser resolvido em cinco minutos, numa mesa de voto - resulta de uma infantilização dos cidadãos. Que os próprios cidadãos alimentam para se desresponsabilizarem pelas suas escolhas.

 

Em vez de se comportarem como donos da sua vida e responsáveis pelas suas escolhas, os italianos fizeram uma birra. Julgará, quem assim se comporta, que assusta o "sistema", o "regime" e os "políticos". Não assusta ninguém. A inconsequência do protesto é a coisa mais fácil de assimilar. Beppe Grillo é um episódio. Daqui a poucos anos, depois da dura passagem pela política lhe retirar a graça e o brilho, será mais uma estória na história política italiana, sempre tão recheada de peripécias. Nem a banca, nem os burocratas, nem a Mafia, nem Bruxelas, nem Berlim, nem os "políticos do sistema" estão preocupados. Não muda nada. E é isso mesmo que o voto de um quarto dos italianos nos diz: estão zangados mas não querem correr o risco de mudar nada. Porque a mudança dá muito mais trabalho e menos vontade de rir do que o voto irrefletido num comediante. Exige ativismo, pensamento, confronto, risco.

 

Sim, o voto em Beppe Grillo é um sintoma de uma doença. Mas esse sintoma já era evidente nas repetidas eleições de Berlusconi. Um sintoma que deve fazer a comunicação social, que alimenta a inconsequência e tudo o que é gasoso, pensar. Que deve fazer os principais governantes europeus, que servem todos os interesses menos os interesses de quem os elege, pensar. Que deve fazer os burocratas europeus, transformados em novos engenheiros sociais e promotores da degradação das democracias da Europa, pensar. Mas, desculpem-me o mau feitio, também deve fazer pensar cada um de nós. A cidadania não é um like no facebook e uma graçola na urna de voto. É a nossa vida. A política pode ter-se transformado numa piada de mau gosto. Mas as únicas vítimas desta anedota serão os cidadãos comuns. "Eles", como se gosta de dizer, vivem bem com Beppe Grillo. Afinal de contas, toda a corte precisa do seu bobo.


Publicado no Expresso Online

2 comentários

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    Doutor Instantâneo Miguel Relvas 27.02.2013

    Quanto às asneiras dos países do Sul, de acordo.
    Mas elas também foram incentivadas pelos do Norte os grandes beneficiários do regabofe.
    Só a Grécia comprou 8 submarinos à Alemanha e o programa previa 16.
    E quanto à vinda de dinheiro do Norte para o Sul, se calhar é ao contrário.
    A Alemanha financia-se há muito a taxas entre o próximo do zero e as negativas, com dinheiro do Sul.
    Quem quer acreditar em histórias da carochingha que acredite.
    Se quiser informar-se, veja, por exemplo (apenas por 0,60€), entre outras fontes, as 2 intervenções de Ricardo Pais Mamede no programa da SIC-Notícias Expresso da Meia Noite, em que ele elenca de forma exaustiva o que aconteceu a Portugal desde 1990.
    Há muito mais do que se conta, pois cada um só conta o que lhe convém ao jogo político que faz.

     
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