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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Europa não rima com democracia

Sérgio Lavos, 20.03.13

 

O que se tem passado nos últimos dias na Europa apenas vem confirmar o que há muito se sabia: os líderes europeus não sabem o que é democracia, desconhecem os seus fundamentos e desrespeitam a sua natureza. O voto contra as condições do resgate ao Chipre - ninguém votou a favor e os 19 deputados da coligação que ganhou recentemente as eleições abstiveram-se - mostra como é possível ser-se eleito para servir o povo - conceito estranhíssimo, não é? Este acontecimento traz à memória o mais recente voto do Orçamento de Estado português. Declarações de deputados do CDS e do PSD-Açores repetiram-se. As ameaças de votos contra ou de abstenção também. Quando o OE foi ao parlamento, unanimidade total em volta de um Orçamento criminoso. Consciência? Coerência? Defesa dos interesses das pessoas que os elegeram? Nada disso, até porque os lugares elegíveis não são assim tantos e nas próximas legislativas o PSD e o CDS correm o risco de se transformar no PASOK português e no mini-partido do táxi, respectivamente.

 

E na Europa, como se olha para esta coisa da democracia? A reacção do líder do Eurogrupo à decisão de Chipre é esclarecedora: Jeroen Dijsselbloem "lamentou profundamente a decisão". Fantástico. Uma quase unanimidade democrática teria de ser sempre, na cabeça destes burocratas dos interesses ordoliberais, uma decisão lamentável. 


A verdade é que Angela Merkel governa apenas para ser reeleita em Setembro próximo, já sabemos. O problema é que apenas os alemães podem votar nas legislativas alemãs. Os países que estão a sofrer com as consequências de uma política de terra queimada, de austeridade, resultado de uma doutrina do choque que visa o empobrecimento para liberalizar a economia, embaratecendo a mão-de-obra (os papagaios como Belmiro de Azevedo e Alexandre Soares dos Santos dizem o que Gaspar e Coelho não podem dizer), reduzindo os direitos dos trabalhadores ao mínimo e aumentando o lucro ao máximo, têm pouco a dizer sobre o seu destino. Alguém imagina Merkel a ser reeleita se aplicasse um programa de austeridade na Alemanha semelhante ao nosso? Se em dois anos os alemães fossem espoliados de 30% do seu rendimento, votariam em Merkel? 


A questão é simples: a actual União Europeia não é uma democracia. Elegemos deputados para o Parlamento Europeu que pouco ou nada influenciam as políticas europeias; temos uma Comissão Europeia liderada por um fantoche nas mãos de Merkel, Durão Barroso (ainda me lembro de se ter dito como seria vantajoso haver um português num cargo de prestígio "lá fora"); e o BCE limita-se a aplicar, com um ou outro estertor rebelde, o programa do banco central alemão. As políticas da Europa são de facto as políticas da Alemanha. Mas os gregos, os irlandeses, os espanhóis, os italianos, os cipriotas e os portugueses não votam nas eleições alemãs.


A União Europeia, tal como está, não tem futuro. Começam-se a fazer ouvir as vozes que defendem a saída do euro. O economista João Ferreira do Amaral há dois anos que anda a dizer que a única maneira de escaparmos ao aperto em que estamos é sair do euro. Há dois anos, os economistas mainstream que se passeavam pelas TV's a defender a "austeridade além da troika", diziam que economistas como Ferreira do Amaral erma loucos. Agora, os economistas da troika desapareceram do mapa. João Duque, Cantiga Esteves, Vítor Bento, por onde andam eles? O que antes era "loucura" começa a tornar-se inevitável. Não é um caminho fácil, a saída do Euro. Mas quanto mais cedo acontecer, melhor. Uma saída ordenada do euro permitiria que Portugal voltasse a ter todos os intrumentos para sair da crise em que mergulhou - a desvalorização cambial, o proteccionismo económico e fiscal, a possibilidade de transformar o tecido económico português, estimulando as exportações e substituindo as importações por produção nacional, contrariando as directivas comunitárias. Neste momento, Portugal vive num sufoco sem fim à vista. Precisamos de respirar. Não há alternativa? Em democracia, há sempre. Livrarmo-nos da Europa anti-democrática pode ser o caminho mais rápido para nos reconquistarmos, enquanto povo, enquanto pátria. Antes que seja demasiado tarde.

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