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Arrastão: Os suspeitos do costume.

O comentário político e a idiotia

Sérgio Lavos, 24.03.13

António Guerreiro (no Ipsilon de sexta passada) sobre a nova febre alienadora nacional, o comentadeirismo:

"Um dos paradoxos do nosso tempo pode ser formulado desta maneira: ao mesmo tempo que os géneros  jornalísticos tradicionais estão em crise e os jornais entraram numa fase de estertor, o jornalismo triunfa por todo o lado. Ele devorou grande parte da literatura – essa grande prostituta, por conta da “reportagem universal” – e engole como um ogre a política. Segundo um novo hábito em expansão, quem saiu de cena como político reentra e recicla-se como comentador. A esta legião de comentadores frenéticos e eloquentes, juntou-se esta semana, depois de uns anos sabáticos na gestão empresarial, a figura de Jorge Coelho. O ritual reiniciático que a SIC lhe proporcionou começou com um anúncio promocional que o coloca em pose de pensador, ornado de espírito e de interioridade reflexiva, sublimado por uma nauseabunda estetização. Lateralmente, noticia-se que “Jorge Coelho volta à política”, o que significa: sub specie commentatoris. E o próprio comenta, em preâmbulo a todos os seus comentários futuros: “Está a saber-me bem”. A televisão – e todo o jornalismo de largo espectro a que ela passou a servir de modelo – acredita que pode fabricar um intelectual do comentário político a partir de matéria-prima tão escassa como é a cabeça pensante de Jorge Coelho (que, não sejamos injustos, está à altura de grande parte dos seus colegas de ofício). Temos de concluir que a actualidade do vienense Karl Kraus, na sua luta contra os processos jornalísticos de fabricação da “opinião pública”, se mantém intacta, um século depois. E a estes processos chamava ele “corrupção”, que é uma palavra hoje reservada para aquilo que os media denunciam, mas não para o que eles realizam, por exemplo ao iludirem – e eludirem –  a incompatibilidade fundamental (sobretudo quando é praticada em larga escala) entre o exercício do comentário político e a função que, fora dele, desempenham os seus oficiantes. Mas o que é, afinal, essa “ciência” do comentário político, tal como ele é praticado? Trata-se de um discurso parasitário que reduz a política a mera gestão (isto é, que a confirma e conforta naquilo em que ela de facto se tornou), onde se fazem análises e profecias que não saem do jogo das tácticas e das estratégias. É tudo um jogo, no qual os comentadores falam de um lugar em que se representam como detentores do monopólio da objectivação pública. A resposta a dar-lhes deve consistir em tornar a lógica deles reversível, isto é, em objectivar os detentores do monopólio da objectivação. Devemos então começar por verificar que aquilo a que eles se dedicam e a que chamamos comentário tem o alcance de uma estereotipada fraseologia. A fraseologia define-se pela elaboração de um discurso vazio, mas  que “pega”, como se costuma dizer, por via de um certo uso da frase: o comentário político tem na frase ( e não na elaboração argumentativa mais longa) a sua unidade linguística de “pensamento”. Por isso é que os comentadores fornecem sempre frases para serem citadas no dia seguinte (veja-se o caso de Marcelo Rebelo de Sousa). Sabemos, pelo menos desde Flaubert e do seu Dictionnaire des idées recues, que aquilo a que ele chamou a bêtise, e que podemos traduzir por “estupidez”, reside na frase, no modo como ela se presta à repetição vazia. E foi a pensar precisamente na frase (a proferição eufórica que, em última análise, se traduz sempre por um “aqui estou eu”), enquanto modalidade essencial da estupidez, que Marx escreveu uma vez que esta é o direito consuetudinário de uma opinião."

9 comentários

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    Sérgio Lavos 24.03.2013

    E se corresponder? Deixa de ser menos interessante, o texto do António Guerreiro?
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    zé ninguém 25.03.2013

    Parece-me tem problemas com a lógica caro Sérgio, como evidencia a segunda frase da sua resposta. Não, o comentário de Party Program não retira nada ao texto do Guerreiro, mas interessante na circunstância, pelo menos para algumas pessoas, é os senhores fazerem parte do que o autor do texto descreve e critica: o comentadeirismo. Por exemplo, os senhores sobre a intervenção francesa no Mali nem pio, ou estou equivocado?Tá contente agora que recuperaram o velho e fraterno costume dos apedrejamentos colectivos na Tunísia? E onde meteu a gloriosa Primavera Árabe? Para a próxima, não quer fazer uma análise um pouco mais profunda dos acontecimentos? Eu, que não sou ninguém, alguma vez nestes bas fonds do comentadeirismo escrevi algo de semelhante ao raciocínio do Guerreiro e por resposta o habitual é ouvir um par de calharadas. Claro, tem razão quem fala mais alto e mais agressivamente, não é? É que ficam ridículos, como se o lobo se virasse para a capuchinho enquanto a sodomiza e dissesse: A avózinha tinha razão,  o lobo está-te a comer! Sinal dos tempos, esta espantosa falta de pudor? :-)
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    Antónimo 26.03.2013

    Se calhar sobre o Mali os senhores nem pio, mas também o mesmo sobre a República Centro Africana.


    Um blogue - ainda mais com uma pessoa a postar (os outros são muito mais espaçados) - não é um órgão de comunicação que tenha de ir a todas. Escreve-se sobre o que mais impacto tem na sua subjectividade.


    Mandar uma candidatura aos senhores para escrever no Arrastão pode ser uma saída para si que gosta dos temas malianos. Outra hipótese é visitar http://herdeirodeaecio.blogspot.pt/search/label/Mali onde os negócios estrangeiros são um ângulo mais frequente...
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    Sinónimo 26.03.2013

    Pois é, quando lhe tocam nos berlindes relincha. Quando são os dos outros acha um interessante material de análise. Vejo-o na mesma atitude que o Lavos: assobia para o lado e olha para o alto, para ver se ninguém repara na "caganita" e entretanto vai apontando o caminho a quem não lhe pediu orientação. Ou acha que a situação no Mali não tem nada a ver com as primaveras árabes? De resto vai justamente ao encontro do meu raciocínio: de comentadeiros está o inferno cheio. E sim, habitualmente não têm a mínima ideia sobre o que falam: alguns, seguem as ordens dos amos, outros, talvez mais perigosos ainda, crêem que seguem o que mais impacto tem na sua subjectividade.
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    Antónimo 26.03.2013

    Amiguinho, 


    Faça um blogue seu, assim, quando lhe tocarem no que teve, escusa de vir zurrar para as bandas dos outros. 


    Quem não gosta de ouvir sugestões, não as faz aos outros. 


    Soa a conversa de pessoal que assinou a petição contra a liberdade de expressão do Sócrates depois de se  zangar com a Grândola que calou a liberdade de expressão do Relvas
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    ortónimo 26.03.2013

    Amiguinho?! Não o conheço como tal. 
    Mas já agora, uma vez que se põe a jeito, que sugestão é que lhe fiz, ó pseudónimo? Você não será um alter/infra/sub ego do Lavos vindo não se sabe de que mundo? 
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    Ou tem direito de pernada aqui no blog? 
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    Mas olhe, para que fique claro porque consigo já vi que é difícil, diga-lhe lá ao Lavos que nem a ele sugeri nada, que apenas analisei e comentadeirei. Que não zurzo no mensageiro, zurzo na mensagem por ingénua e fácil. Aliás, no que coincido com a opinião de outros comentadeiros deste bas fonds, não compreendo porque se encabrita tanto comigo. Caramba, que falta de sentido de humor! Para a próxima se quiser posso tentar ser mais carinhoso, talvez perceba melhor. Mas diga-lhe, diga-lhe!
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    E desconverse, mas beba lá a cervejinha, porque vai ficar quente! 
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    PS: Adorável, esta turma de esquerda que quando são criticados o primeiro argumento a que recorrem é o de propriedade privada. 


    (Sobe o pano.)
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    SAIAM DA MINHA CASA!!! JÁÁÁ!!! 
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    Tâmo indo, meu velho! A turma tava mêmo querendo tomar ar, aqui tem mosca morrendo na cervejinha! A gente se vê (ou não)! 
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    (FIM)
    É mais uma rodada! Sim, traz uma também aqui p'ró velho! Esta tá morta!
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    homónimo, também conhecido por Zelig 26.03.2013

    Para me despedir de vez e não nos centrarmos no mensageiro, a título de exemplo aqui vão dois links do dia p'ró caro reflectir e depois, se lhe aprouver, me contar qual dos dois chega a ser jornalismo, ainda que manipulado, e qual não chega sequer a isso, não indo além da simples manipulação de massas:


    http://expresso.sapo.pt/presidente-chines-as-compras-em-africa=f796327


    http://internacional.elpais.com/internacional/2013/03/26/actualidad/1364326329_993675.html


    (Sobe pano)
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    O que será que os sacanas dos chinocas vão fazer a África???!!! 


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    Éilês bãoê láê ébiolare âs muchoilas, ááááh pôes!
    (Gargalhada enlatada.)
    FIM


    Um presumível europeu, 500 anos depois, perguntar-se porque será que um chinês visita África?! 
    Num só titular se revela toda a problemática do novo milénio para o continente europeu.
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    Desculpe, são mais três, por favor! Sim, esta toca ao velho!
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    bolas competir com isto é impossível 27.03.2013

    pra mim uma sem álcool se faz favorImage

    é caminha religião nã permite

    mas tem de se empurrar os tremoçosImage
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