Pintam-se as fachadas
Vítor Gaspar dava uma conferência de imprensa ao lado do presidente do Eurogrupo. O sinal do espírito provinciano nacional já fora dado nas respostas aos jornalistas estrangeiros, todas em inglês. Não me lembro de alguma vez ter ouvido Angela Merkel, François Holande, Mariano Rajoy ou David Cameron falarem, numa conferência de imprensa no seu próprio país, noutra língua que não fossem as suas. O português gosta de mostrar que até fala línguas. Sem sotaque.
Mas o momento mais revelador da cultura da aparência foi dada por Gaspar, depois de uma pergunta feita (em português), por um jornalista da SIC, ao ministro Jeroen Dijsselbloem. Queria saber se o governo tinha realmente pedido para se discutir o ajustamento do défice e qual a sua opinião sobre os desentendimentos no governo. Gaspar mostrou-se agastado:"Não consigo deixar de registar a deselegância de fazer a pergunta a um político estrangeiro na presença do representante do governo português mandatado para conduzir essas negociações".
Esqueçamos a falta de espírito democrático do ministro, que o leva a achar que os jornalistas têm a obrigação de tomar as suas garantias como verdadeiras. Parece-me que o embaraço de Gaspar resultou de outra coisa: que um ministro estrangeiro saísse daquela conferência de imprensa com a sensação de que Gaspar, tal como ele, era um político sujeito à contestação e à desconfiança. Que o País exibisse as suas mazelas políticas, naturais num período de crise, ao senhor da Europa. Essas coisas tratam-se em família.
Na mesma semana, a Câmara Municipal de Elvas ordenou que os moradores do centro pintassem as suas fachadas. Se não o fizessem, pagariam uma coima, a autarquia faria por elas e depois apresentaria a factura. A cidade vai receber as comemorações do 10 de Junho, o Presidente vem de Lisboa e, por isso, deve-se esconder, à força, o desarrumo dentro de casa.
Em muitas famílias portuguesas, há quem só use a sala, quase por estrear, para receber visitas. E faça a sua vida quotidiana na cozinha. Esta cultura da aparência, do anfitrião que nunca se desmancha, leva os estrangeiros a ter por nós uma sincera simpatia. Porque nunca os incomodamos com os nossos problemas, com a nossa pobreza, com as nossas exigências. É a simpatia que se tem pelos criados, discretos e felizes por servir. Falta aos portugueses alguma deselegância. Falta-lhes as enormes janelas das casas holandesas, que exibem a todos as grandezas e as misérias das famílias.
Se mostrássemos aos outros a nossa indignação pela forma como realmente vivemos, e não como aparentamos viver, deixaríamos de ser vistos, como disse um dos representantes da troika, como um "povo bom". Deixaríamos de pintar só as fachadas e receberíamos na cozinha desarrumada. Assim, talvez obrigássemos os outros a saber dos sacrifícios que nos estão a impor. Portugal deixaria de ser vendido na Europa, com a ajuda do nosso governo, como um exemplo de sucesso da austeridade.
O nosso problema continua a ser a pobreza escondida. A que leva Ricardo Salgado a dizer que os portugueses preferem receber o subsídio de desemprego a trabalhar. Estrangeiro que é no seu próprio País, não pode saber que os portugueses estão, na realidade, dispostos a trabalhar por quase nada.
Num ditado que resume uma Nação, diz-se que "enquanto o pau vai e volta folgam as costas". Sofre-se em silêncio, porque pobreza é vergonha, não é revolta. Pintam-se as fachadas para que o ministro holandês acredite que por cá tudo continua e continuará, como sempre, sereno.
Publicado no Expresso Online