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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Quem pagará a redução do IRC?

Daniel Oliveira, 30.07.13

Lobo Xavier apresentou a sua proposta para reforma do IRC. Ela traduz-se em duas medidas fundamentais. A primeira: aredução do IRC, que tem hoje uma taxa média efetiva inferior a 17%. E o aumento do prazo para reporte de prejuízos de 5 para 15 anos, que corresponde a uma redução suplementar.

 

As duas medidas associadas trarão a perdas fiscais para o Estado. O que terá obrigatoriamente de ser compensado pormais cortes nas despesas sociais do Estado (o que corresponde sempre a perda de rendimento efetivo das pessoas) ou por mais aumentos nos impostos sobre o trabalho e consumo. A não ser, claro, que haja uma flexibilização das metas do défice impostas pela troika, o que não parece ser o caso. É que ainda ninguém conseguiu provar que esta medida traga um enorme crescimento económico e de emprego que se traduza num aumento de receitas fiscais. Pelo contrário, todos os números mostram não haver, historicamente, qualquer relação entre a redução dos impostos às empresas e o aumento do investimento e do emprego.

 

Estas medidas parecem justas e, no conjunto de propostas apresentado, há uma simplificação fiscal que merece elogio. No entanto, como alguém vai ter de pagar o que se perderá, limita-se a acompanhar o movimento a que temos assistido nas últimas décadas, na Europa e nos EUA, de transferência de obrigações fiscais do capital para o trabalho. Que foram acompanhadas por reduções substanciais dos salários reais e pela perda de serviços públicos e prestações sociais. Em Portugal, vale a pena fixar os números divulgados em "Desigualdade em Portugal" (Edições 70): em meados dos anos 70 o trabalho ficava com 59% da riqueza produzida, hoje fica com 39%. E são estes 39% que têm de garantir quase todo o funcionamento do Estado. Assim, é natural que o Estado Social seja incomportável. 

 

Estas perdas foram, durante vinte anos, compensadas pelo endividamento das famílias para ter acesso a coisas tão básicas como a habitação, a saúde e a educação. Esta redução fiscal para as empresas, seguida em grande parte dos países, resultou também em défices crónicos para os Estados. Défices que foram compensados com cortes nas suas funções sociais e endividamento público. Mais endvidamento das famílias e dos Estados, mais desigualdade e estagnação dos mercados internos. É o resumo da competição fiscal para atrair empresas. E que, como todos fazem o mesmo, acaba por não resultar. 

 

Dir-me-ão que não há alternativa, porque não podemos ficar para trás. E que não há alternativa à competição através da redução dos custos do trabalho, que também terá efeitos negativos nas receitas fiscais. Só conheço duas formas de contrariar esta corrida para a desgraça: acrescentar valor ao que se produz, o que implicará sempre investimento público e salários mais altos, e autonomia monetária, que permite aos países mais pobres terem moedas que correspondam às suas capacidades económicas.

 

A proposta de Lobo Xavier não é nem absurda, nem incompetente. Limita-se a insistir na receita que está a destruir as economias europeia e norte-americana. E que correspondeu, na Europa e nos EUA, a um enorme aumento da desigualdade na distribuição dos rendimentos entre o trabalho e o capital. Descer o IRC, pondo os trabalhadores a pagar sozinhos o pouco que sobre do Estado Social, é uma escolha política. Por isso, este debate não é para os empresários e  fiscalistas que os representem. É um debate que tem de envolver a terceira parte desta equação: os que terão, através do pagamento do IRS, dos impostos sobre o consumo e da privatização de serviços públicos, de compensar a perda fiscal que esta medida acarreta. Ou seja, os trabalhadores. É que todos gostaríamos de impostos mais baixos. Mas, no fim, alguém tem de pagar as contas.

 

Publicado no Expresso Online

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