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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Tudo está a correr de acordo com o esperado

Sérgio Lavos, 22.08.13

 

Se há indicador económico que continua a crescer a um impressionate ritmo, é o da dívida pública. No final de 2011, alguns meses depois do Governo entrar em funções, estava nos 107,2%. Quem tem memória das coisas, lembra-se do clamor constante da direita contra o Governo de José Sócrates por causa do crescimento da dívida. Ainda hoje, quando se sentem acossada, a matilha saca do endividamento do país e da bancarrota para justificar a destruição que está a levar a cabo. Na verdade, em dois anos a dívida cresceu até aos 131,4% (de acordo com dados tornados públicos hoje pelo Banco de Portugal). Pior: não só cresceu em termos relativos (ao PIB) como em termos absolutos. O seu ritmo de crescimento agravou-se drasticamente, e cada vez se torna mais difícil a Portugal pagar o que deve. Neste momento - e apesar da propaganda neoliberal europeia e nacional nos afiançar o contrário - estamos mais próximos da bancarrota e de um segundo resgate do que estávamos há dois anos. Este segundo resgate, a acontecer durante o próximo ano, junta-se ao terceiro da Grécia, anunciado por Schaüble há uns dias. 

 

E assim será, até não se sabe muito bem onde. As políticas austeritárias diminuem o PIB dos países onde estão a ser aplicadas. Como menos recursos, o Estado, para que consiga atingir as metas a que se propõe (definidas pelo pacto orçamental europeu), precisa de os ir buscar onde é mais fácil: aos mais pobres, aos trabalhadores por conta de outrem, à vasta classe média agora empobrecida. Os cortes no Estado Social são, no limite, a maneira que os Governos austeritários têm de tapar buracos orçamentais provocados por quebras no PIB devido à austeridade. Esta criminosa pescadinha de rabo na boca - corta-se primeiro, provocando a recessão e uma descida no PIB, e que por sua vez apenas poderá ser atenuada para efeitos de défice cortando ainda mais - tem como objectivo, e terá como resultado mais visível, o fim das políticas inclusivas e sociais que trouxeram paz à Europa durante sessenta anos. Outro resultado expectável será uma maior desigualdade social e uma mobilidade social com tendência a desaparecer. Os mecanismos de redistribuição dos rendimentos vão sendo substituídos por mecanismos de transferência de rendimentos do trabalho para o capital - as mexidas na TSU foram uma primeira tentativa falhada, a descida no IRC será o segundo assalto em larga escala tentado de forma directa. Enquanto não chegamos lá, a compressão salarial provocada por um brutal aumento do desemprego está já a permitir essa transferência de rendimento para o capital: pagando salários mais baixos aos trabalhadores, as empresas poderão ter mais lucro e distribuir dividendos por accionistas - no caso do PSI-20, fugindo aos impostos portugueses - em maior escala.

 

Nesta fase do capitalismo de rapina, o capital viaja do Sul para o Norte da Europa, dos países em resgate para a Alemanha e para os seus aliados mais ricos, e do bolso da classe média e dos mais pobres para o poder financeiro e os grandes capitalistas. Os cinquenta anos de prosperidade europeia - e norte-americana - aconteceram não só como consequência do crescimento económico constante, pela criação de riqueza, mas sobretudo por políticas sociais que diminuíram bastante o fosso entre ricos e pobres no mundo ocidental, através da implementação de políticas de redistribuição de riqueza assertivas e solidárias. O que se assiste neste momento vai deixar um rasto de desigualdade e aprofundar medos e rancores nacionalistas. No fundo, o crescimento da dívida não é problema para quem manda na Europa e em Portugal. Um programa ideológico possibilitado por um conjunto de factores excepcional - uma maioria de governos de direita na Europa, a crise de 2008 - está a tomar conta de um espaço que em tempos se dizia fraterno, justo e igualitário. Tudo vai mudar; mas não vai ficar tudo na mesma. 

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