Porcos
O PSD é um partido de tradições, fiel aos seus princípios, um partido que preza o seu passado e acarinha quem se acoita na sua asa. Os seus antigos líderes são donos de estações televisivas, comentaristas de sucesso ou anões para entreter a malta com prestidigitações que desviam a atenção dos crimes que o seu Governo está a cometer. Luís Filipe Menezes teve uma breve passagem pela cadeira do poder laranja, mas cedo regressou à sua toca em Gaia, empurrado pelos barões do partido e por cavaquistas que queriam experimentar com a Manuela Ferreira Leite que tinham à mão. A sua vigência antecipou o reinado de Passos Coelho em populismo, mentira e demagogia (e seguiu à letra as lições do seu mentor Pedro Santana Lopes). De volta à terrinha, continuou a endividar a autarquia de Vila Nova de Gaia, criando no povo um estado de permanente exaltação amorosa pelo líder, um feito a que apenas grandes estadistas - como Isaltino Morais, Moita Flores ou Fátima Felgueiras - podem aspirar. Este sublime estado de elevação espiritual leva a que todas malfeitorias associadas à podridão do poder autárquico - negociatas com empreiteiros, favorecimentos familiares, caciquismo - sejam não só perdoadas pelo povo como olhadas como o firme pilar do exercício do mandato autárquico. O povo vota em criminosos condenados e em populistas suspeitos precisamente porque confia na sua capacidade de ceder a todos os interesses - mais cedo ou mais tarde, o votante de Oeiras ou de Vila Nova de Gaia espera a autorizaçãozinha camarária para o acrescento à vivenda e é mais fáci esperar distorções à lei se o executivo camarário for naturalmente corrupto. No fundo, o povão vota em corruptos porque a corrupção é a sua verdadeira natureza - num país onde o Estado não funciona e não dá o exemplo, quem não o imita ou é anjo ou é parvo. Ou as duas coisas.
Ora, regressado Menezes ao remanso do lar, lá cumpriu o resto do mandato a que tinha direito. Mas o poder não é eterno, e com a lei de limitação dos mandatos o reinado de Menezes corria o risco de chegar definitivamente ao fim. Corria, mas acabou por não correr. O PSD, imbuído de grande sentido democrático, decidiu interpretar a lei à sua maneira, contradizendo o seu espírito, tal como ele é entendido pelo seu autor, por sinal um membro da família laranja, Paulo Rangel. Adiante, até porque quase todos os outros partidos dedidiram ler na lei o que muito bem entenderam, do PSD ao PCP, passando pelo CDS e pelo PS (a excepção é o BE). Empurrado por esta leitura elástica da legislação, Menezes dá um saltinho para o Porto. Abandona uma câmara depenada, das mais endividadas do país, mas nem por isso deixa de ter o apoio do seu partido - o PSD que no Governo está tão empenhado em lutar contra o despesismo. A pré-campanha tem sido um festival de promessas: desde um Porto capital do Norte de Portugal e da Galiza até um Oscar honorário para Manoel de Oliveira, Menezes tem-se desdobrado, tocando a todas as portas, visitando todas as capelinhas do populismo demagógico. Nada o pode parar - nem sequer a lei autárquica. Entre dois despachos na câmara de Vila Nova de Gaia, tem vindo a receber habitantes da cidade do Porto em dificuldades, a quem tem pago contas, facturas, rendas e o que aparecer. Diz-se mesmo que nas festas que tem dado já foram mortos mais de vinte porcos. Uma originalidade, que ultrapassa em muito os cheques passados pelo seu companheiro de partido Fernando Ruas ou os frigoríficos oferecidos em tempos por Valentim Loureiro. É fartar vilanagem. Só há um problema: é um crime comprar votos. E mesmo que os votos sejam comprados com porcos, não deixa de ser crime. Por isso, a Comissão Nacional de Eleições já veio enunciar claramente as ilegalidades que anda a praticar Menezes.
Sabemos que nada de sério ou relevante sairá daqui. A partir do momento em que um autarca continua a presidir à sua câmara a partir da prisão, tudo é possível. Sem ondas nem sobressaltos, ouviremos as desculpas de Menezes. O assunto trazer-lhe-á ainda mais visibilidade no Porto, e como o povão gosta de caciques, irá com certeza votar maioritariamente nele. Depois admiram-se do país ter chegado a este ponto. Os políticos são sempre, mas sempre, o espelho claro das pessoas que os elegem. Tão cedo não vamos sair da lama onde chafurdamos.