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Arrastão: Os suspeitos do costume.

O bombista mentiroso

Sérgio Lavos, 12.09.13

 

A entrevista que Nuno Crato hoje deu ao telejornal da SIC mostrou de que fibra é feito o ministro. Habituado a anos e anos de entrevistas feitas por Mário Crespo - naquela amostra de jornalismo que é o Jornal das 9 da SIC Notícias quando apresentado por este - Crato, quando se vê em apuros, pica o ponto em vários canais tentando, naquele jeito maviosamente sonso, intoxicar a opinião pública com um volume de propaganda claramente prejudicial à saúde mental da pessoa mais resistente. Antes do Verão, no auge das greves aos exames, Clara de Sousa recebera-o de braços abertos e a entrevista foi uma amena conversa sobre as propostas do ministro para salvar o futuro das nossas crianças - o rigor, o rigor. Na entrevista de hoje, Clara de Sousa redimiu-se dessa prestação e fez quase todas as perguntas que deveriam ser feitas. O ministro, esperando o mesmo tom de antanho, respondeu à primeira pergunta da jornalista com um "se me tivesse avisado que ia fazer essa pergunta, eu tinha-me preparado". O despudor da confissão serviu de mote para o resto da conversa (nada amena, desta vez), e lá foi respondendo, entre sorrisos cínicos, atrapalhações e esgar de sobrancelhas. Pelo meio, acabou por conseguir introduzir algumas mentiras - Crato parece-me mesmo um mentiroso tão habilitado como Passos Coelho; enquanto este mente friamente e com uma monumental cara-de-pau, o ministro da nossa Educação disfarça a mentira com gentilezas e a propaganda com delicadezas. Mas por baixo da pátina de pessoa séria - e há tanta gente séria por aí a lixar-nos a vida - vislumbra-se a podridão de um governante que está a destruir todos os progressos de quarenta anos de escola pública.

  

As mentiras: ao falar do financiamento das escolas com contratos de associação, Crato referiu mais de 300 milhões de euros em 2010 para cerca de 180 milhões em 2013. "Esqueceu-se" de dizer que em 2011 o Governo de José Sócrates baixou bastante as transferências para essas escolas e que ele, Crato, assim que pode, voltou a aumentar o valor das transferências por turma. Se o montante total é agora inferior, será porque em dois anos de crise centenas de escolas privadas fecharam e muitas turmas fecharam por falta de alunos (que ingressaram na escola pública). Também mentiu e distorceu ao falar da quebra demográfica como justificação para a redução do número de professores. Vejamos: entre 2010/2011 e 2011/2012 o ensino básico e perdeu no total 13 000 alunos, mas o número de alunos no secundário subiu, dada o prolongamento da escolaridade obrigatória até ao 12.º ano. Já este ano, notou-se uma quebra de 2 000 alunos no ensino básico, mas no secundário houve um aumento de mais de 4000 alunos. É inegável a redução do número de alunos por razões demográficas - devidas a uma baixa taxa de natalidade e a emigração -, mas, se compararmos o número de alunos que o os diversos níveis de ensino perderam com o número de professores que em dois anos foram afastados do ensino, encontramos um discrepância brutal. Para 20 000 alunos perdidos até 2012, foram despedidos 47 000 professores. Por cada aluno a menos no sistema, dois professores foram dispensados. Nuno Crato vir falar de razões demográficas para o despedimento de tantos professores não só é uma mentira descarada como é de um absoluto cinismo. A redução drástica de turmas a nível nacional, que leva a que em muitos casos turmas com mais de 30 alunos tenham sido constituídas - Crato também mentiu aqui, ao afirmar que eram excepções pontuais -, infringindo-se regras como o limite de alunos por aula ou o número de crianças com necessidades educativas especiais - Crato mente outra vez (e de forma repugnante, pela menorização destes casos) ao dizer que estes alunos acabam por não contar nas aulas - é a única razão para o despedimento dos professores. Um pouco de coragem para assumir as suas decisões políticas também seria de bom tom.

 

A determinado momento, os olhos de Crato brilharam e até o tom de voz mudou ao falar da nova menina dos seus olhos: uma prova de Inglês no 9.º ano. Curiosamente, a notícia saiu na semana em que se conhecia o caos do início do ano escolar. A estratégia, aliás, não é nova; de cada que a incompetência de Crato é posta a nu, é anunciado mais um exame no Ensino. Mas o mais incrível é este exame ser implementado quando o número de horas para aprendizagem de inglês no 2.º e no 3.º ciclo ter sido reduzido já por iniciativa de Crato e o Inglês a partir do 3.º ano, introduzido no tempo de Maria de Lurdes Rodrigues, não existir em muitas escolas por causa do desinvestimento nas Actividades Extra-Curriculares, de que faz parte. A ideia de rigor e exigência é inventar um exame - ainda por cima, produzido pela Universidade de Cambridge, como Crato anunciou, ufano no seu provincianismo bacoco, como se os professores de inglês portugueses não conseguissem produzir um exame de "bitola internacional" [SIC]. Como é que os alunos irão comportar-se neste exame, com todo o desinvestimento feito nesta área? Não interessa. Se há um exame, é porque estamos a ser rigorosos.

 

Outra mentira foi a insistência no ensino profissional, quando sabemos que muitos alunos este ano não conseguiram vaga em turmas deste ramo de ensino e tiveram de ir para o ensino regular, precisamente devido à redução do número de turmas, também no ensino profissional.

 

O país já está habituado a ministros que mentem e voltam a mentir. Nuno Crato é só mais um. Não é novo, mas é muito triste. E o pior é que as mentiras servem para esconder uma realidade terrível que vai levar a um retrocesso de décadas. Nuno Crato não está a conseguir implodir o ministério, como anunciava quando era um humilde escritor de best-sellers anti-facilitismo. Mas está sem dúvida a conseguir fazer explodir o ensino público. Está, portanto, de parabéns, como muito bem disse o senhor primeiro-ministro.

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