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Arrastão: Os suspeitos do costume.

A violência e o escárnio

Sérgio Lavos, 02.10.13

 

A interminável agonia do moribundo Governo teve este fim-de-semana mais um capítulo, com a liminar derrota nas autárquicas e a confirmação de que perdeu toda a legitimidade para governar, incluindo a legitimidade formal conferida pelas eleições - mais de oitenta por cento dos portugueses não votou nos partidos que o constituem. Contudo, chegámos a um ponto em que, apesar das sucessivas medidas legislativas que continuam a ser produzidas, penalizando as pessoas e levando à ruína do país, só nos resta trocar a indignação pelo escárnio e a raiva pela ironia. 

 

No dia que se seguiu ao descalabro, os comentadores afectos à trupe de comediantes que por vezes também se chama Governo bem tentaram remediar as coisas, colocando pensos rápidos sobre a ferida aberta por uma eleição que fez desaparecer o PSD de todos os centros urbanos - os locais onde se decide o voto nacional -, mas a sangria desatada, estranhamente, não foi cauterizada. O conselho nacional de ontem foi um perfeito retrato da anedota em que se tornou o PSD sob as ordens do destemido comandante Passos Coelho. Enquanto este afirmava não ter vocação para mártir e não ceder a depressões - declaração que deixaria qualquer pessoa de bem verdadeiramente temente da condição do primeiro, tendo em conta que o louco caracteriza-se sobretudo por nunca assumir a sua loucura -, a gritaria dentro do conselho alastrava como fogo em mato seco e os "insultos, apupos e ataques" tomavam conta da reunião. Marco António Costa, a meio do circo, ainda veio dizer - sem se rir - aos jornalistas que o PSD estava "em ambiente de coesão interna total e absoluta" - homenageando o antigo ministro da propaganda iraquiano que proclamava em directo na televisão a vitória das forças armadas iraquianas quando o exército norte-americano já se encontrava às portas de Bagdad -, o que serviu para confirmar a sua ascensão dentro do partido como porta-voz da patética palhaçada em que aquilo se tornou. Os barões espreitam na sombra do fracasso de Passos Coelho e Rui Rio espera a oportunidade de tomar o seu lugar divinamente inspirado, apesar das ameaças do antigo candidato Aguiar Branco de uma purga ao velho estilo estalinista. Coesão interna total e absoluta deve ser isto.

 

Mas o pior não são as tricas internas do PSD. É o Governo que emana deste partido de oportunistas e saqueadores continuar a conduzir o navio (de loucos, como o caracterizou Pacheco Pereira) a águas cada vez mais turvas e agitadas. Tudo sob a batuta distante de Cavaco Silva, que um dia antes das eleições veio logo avisar que o seu Governo não cairia. E o Governo inclui também o irrevogável Portas, que cantou a vitória de Rui Moreira contra o candidato do PSD, o Portas que em Fevereiro devia ter apresentado um qualquer guião para a reforma do Estado - e cujo prazo para apresentação tinha sido adiado, sem falta, para o passado dia 30 de Setembro. Portas, se trabalhasse numa empresa privada, já teria sido despedido há muito tempo, por incompetência pura e por incapacidade de entregar um documento a tempo e horas. De resto, a maioria dos membros deste Governo não resistiria muito tempo no privado - lá se vai a defesa da meritocracia enquanto novo modelo de sociedade. Desde reformas que são esquecidas - a das autarquias, a do Estado - até metas sucessivamente falhadas, passando pelos atrasos consecutivos que levaram por exemplo ao caos no início do ano escolar - e logo Crato, o ministro do rigor e da exigência -, cumulando na apresentação de leis com inconstitucionalidades evidentes, tem sido demonstrado, à saciedade, que nunca tinha havido um conjunto de pessoas tão impreparado como este a governar o país. E já lá vão muitos séculos de Portugal. Pensar que esta inacreditável trupe de comediantes involuntários possa ter ascendido ao poder precisamente num dos momentos mais graves do país, quando seria necessário que os melhores da nossa geração tomassem conta disto, é de deixar qualquer um com uma intensa dor de cabeça.

 

Vamos a caminho de um segundo resgate e de uma austeridade perpétua. A podridão do Governo já é sentida à distância - os investidores cada vez têm mais dúvidas sobre a capacidade do país pagar as suas dívidas. Mas ainda assim, Cavaco porfia. Portugal transformou-se numa anedota sem piada, uma ruína de país sem salvação. Talvez só nos reste rirmo-nos disto tudo. Ou fugir.

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