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Arrastão: Os suspeitos do costume.

O que as listas independentes nos dizem

Daniel Oliveira, 03.10.13

 

O fenómeno das listas de cidadãos que concorreram a muitas câmaras e juntas e que ganharam muitas delas não é na realidade um fenómeno. São vários. Há listas que não nasceram em torno de uma figura carismática da terra, mas de grupos de cidadãos com e sem partido. Na maior parte dos casos tiveram resultados que, podendo ter sido interessantes, foram, na realidade, modestos. O que demonstra que a personalização da política é hoje um dado inelutável. Não é promovida pelos partidos, é uma exigência dos eleitores.

 

Fiquemos, no entanto, apenas pelas listas que ganharam câmaras municipais. Foram 13. As novas foram Porto, Aguiar da Beira, Matosinhos, Vila Nova de Cerveira, Anadia, Portalegre, Borba, São Vicente (Madeira), Santa cruz (Madeira) e Calheta (Açores). Nas últimas eleições autárquicas tinham sido apenas sete. Em Amares e Sines foram derrotadas e em Gondomar e Alandroal o Tribunal Constitucional impediu a recandidatura. Houve apenas três reeleições: Oeiras, Estremoz e Redondo.

 

Vale ainda a pena recordar os dois concelhos onde as sondagens davam a vitória a listas independentes mas o Tribunal Constitucional impediu a candidatura, mas que, só pela sua existência, provocaram mexidas no eleitorado: Guarda e Gondomar. E pelo menos três concelhos onde as listas independentes não venceram mas, dividindo o eleitorado do partido que tinha a presidência da câmara, deram a vitória a quem estava na oposição: Sintra, Vila Nova de Gaia e Grândola.

 

Antes de mais, é importante dizer o que este fenómeno não é.

 

Não é uma revolta contra os políticos dos partidos. Dos 13 presidentes eleitos por listas independentes apenas dois nunca exerceram cargos políticos inseridos em estruturas partidárias. São eles Rui Moreira e António Matos Recto. Mas mesmo último, eleito no Redondo, era o vice de Alfredo Barroso, eleito independente depois do PCP lhe retirar a confiança política. Todos os restantes presidentes independentes vêm de partidos.

 

Não é uma revolta contra as políticas dos partidos nas autarquias. Dos 13 eleitos, nove já tinham responsabilidades nas autarquias por via dos seus partidos e dois são sucessores dos que assim lá tinham chegado.

 

Dos nove com responsabilidades autárquicas, quatro eram presidentes ou vice-presidentes (sucessores naturais dos presidentes), avançando agora sem o apoio dos seus partidos: Guilherme Pinto, em Matosinhos, Maria Adelaide Teixeira, em Portalegre, Maria Teresa Cardoso, de Anadia, e João Fernando Nogueira, de Vila Nova de Cerveira. Um já fora, no passado, presidente: Luís Mourinha foi reeleito presidente pelo Movimento Independente de Estremoz, depois de se retirar por quatro anos, após cumprir três mandatos como presidente eleito nas listas da CDU. E quatro ocupavam, escolhidos pelos seus partidos, outros cargos autárquicos relevantes. António Anselmo, de Borba, já foi presidente das juntas de Freguesia de São Bartolomeu e de Matriz, eleito pelo PS, como independente. Filipe Sousa, de Santa Cruz, foi presidente da Junta de Freguesia de Gaula, durante dois mandatos, pelo PS. Décio Pereira, da Calheta, foi eleito nas últimas eleições pelo PSD/Açores como presidente da Junta de Freguesia da Ribeira Seca. Joaquim Bonifácio, que roubou, com uma lista apoiada pelo PS e pelo CDS, a câmara de Aguiar da Beira ao PSD, era presidente da Junta e foi, durante cinco mandatos, chefe de gabinete de presidentes da câmara eleitos.

 

Por fim, dois são sucessores de presidentes já eleitos, em 2009, por listas independentes, mas que vinham, eles próprios, de dissidências partidárias: Paulo Vistas, em Oeiras, e António Matos Recto, no Redondo. Realmente estreantes são José António Garcês, de São Vicente, que é dissidente do PSD/Madeira, e Rui Moreira, do Porto, que guardo para o fim.

 

Não é provável que os eleitores esperem destes autarcas comportamentos diferentes dos que já tinham enquanto eleitos por estruturas partidárias. É mesmo provável que tenham premiado esse comportamento. Ou seja, em quase todos os casos não assistimos a uma punição por uma gestão ditada por vícios partidários mas a um prémio pela forma como se dirigiu a câmara ou a junta de freguesia quando se era eleito por um partido.

 

Por fim, dos 13 vencedores, cinco candidataram-se como independentes depois de serem preteridos pelos seus partidos. Outros tantos não terão chegado tão longe por saber, à partida, que esse apoio lhes estava vedado. E mesmo Rui Moreira, tendo mérito indiscutível na sua vitória e sendo o único vitorioso onde a punição geral aos partidos poderá ter tido um papel importante, ganha muito por causa da escolha que o PSD fez. E não é possível ignorar o papel que Rui Rio, muitos notáveis do PSD e o CDS tiveram na sua eleição.

 

Por isso, a única lição que os partidos podem tirar destas vitórias de listas independentes tem a ver, não com os comportamentos dos seus eleitos (pelo contrário, a avaliação dos eleitores parece ser tão positiva que os querem no lugar contra a vontade das estruturas partidárias), mas com as formas de seleção dos seus candidatos. Quando os partidos trocam candidatos populares por candidatos que apenas contam com o apoio da estruturas locais ou da direção nacional são punidos nas urnas. E isto tanto serve para autarcas que podem ser considerados exemplares como para presidentes de câmara corruptos. É, portanto, para debater a forma de seleção dos candidatos, e não outros temas, que os resultados das listas independentes nos nos convocam.

 

Como se sabe, três dos cinco principais partidos passaram a eleger os seus líderes através de eleições diretas. Consideraram que isso correspondia a um processo de democratização interna. Pelo contrário, como aliás já escrevi várias vezes, as diretas, exacerbando o poder dos militantes em organizações que devem, antes de tudo, responder aos anseios de quem representam (os eleitores), fecharam os partidos em si próprios. Para conquistar e reforçar o seu poder, as lideranças têm de agradar, antes de mais, aos vários poderes de base, ignorando a vontade dos cidadãos. Em vez de liderar para os que representam passam a liderar para os militantes. António José Seguro é talvez o exemplo mais extremado disso mesmo.

 

Não defendo, com isto, a redução da democracia interna dos partidos. Defendo duas coisas: um retorno a uma democracia representativa bastante alargada, que dá aos delegados aos congressos um poder que mais facilmente consegue equacionar os interesses dos eleitores com a vontade dos militantes (nem sempre coincidentes) e, mais importante, uma verdadeira abertura dos partidos à participação cidadã. Essa abertura deve ser cuidadosa. Não pode resultar na descaracterização política e ideológica dos partidos. Nem pode equiparar quem está disposto a um grau de comprometimento muito elevado com quem apenas quer dar a sua opinião. Não pode equiparar em direitos o que não equipara em deveres. Mas deve permitir que os apoiantes e eleitores de cada partido tenham capacidade de limitar a cegueira militante. Nas legislativas, permitindo que o eleitor intervenha na ordenação das listas e reforçando assim a autonomia, a liberdade e o poder de representação de cada deputado. Nas autárquicas, instituindo a figura do apoiante, com menos direitos e deveres que os militantes, para permitir a existência de eleições primárias.

 

Uma coisa é certa: façam ou não façam os partidos estas mudanças, os eleitores encontrarão formas de os punir (com ou sem razão, como se viu em Oeiras e provavelmente se veria em Gondomar). Mas apenas nas autárquicas, através de candidaturas autárquicas independentes. E esta é a principal razão porque, para além da possibilidade de intervenção dos eleitores na ordem das listas dos partidos, defendo a possibilidade de listas de cidadãos concorrerem às legislativas (apenas a cada círculo eleitoral hoje existente, caso contrário seriam partidos políticos sem os deveres correspondentes). Porque só através da concorrência democrática os políticos serão obrigados a escolherem os seus deputados pela sua capacidade de atração eleitoral e não apenas pela sua fidelidade ao líder ou apoio das estruturas locais. A outra possibilidade seriam os círculos uninominais, de que discordo, porque acabariam com qualquer ideia de proporcionalidade na representação parlamentar.

 

Listas abertas e candidaturas de cidadãos são as únicas formas de, através do medo de perder votos, ter eleitos que pensem pela sua cabeça e não obedeçam cegamente aos diretórios partidários. Se assim fosse, desconfio que algumas medidas deste governo não teriam sido chumbadas pelo Tribunal Constitucional. Porque nem chegariam a sair do parlamento. É que quem tem de agradar ao eleitor e não ao líder pensa duas vezes antes de destruir um País. Há que possa dizer que isto promove o eleitoralismo. Desculpem, não sou dos que acha que os eleitos se devem estar a lixar para as eleições. Acredito mesmo nas vantagens da democracia.

 

Publicado no Expresso Online

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