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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Ainda há vida fora das redes sociais?

Daniel Oliveira, 25.10.13

 

 

Há quem se espante por os portugueses aparentemente aguentarem tanto. Quem se recorde de momentos bem menos trágicos da nossa história em que a cidadania se fez sentir de forma bem mais firme. E, no entanto, basta ler as redes sociais e ouvir as pessoas na rua para perceber que não falta indignação aos portugueses. Mas isso, ao contrário do que acontece noutros países, não tem resultado em enormes protestos de rua.

 

O discurso do "inevitável", vendido por políticos e comentadores, enterrou os portugueses num desânimo profundo e foi de uma enorme eficácia. Depois do castigo, resultado da ideia de que andámos a viver acima das nossas possibilidades, o discurso passou a ser o do fatalismo. Todas as críticas são aceites. Mas não há nada a fazer. Nada a fazer. Qual destas três palavras não entendem? A primeira forma de destruir o ânimo de um povo é destruir-lhe a esperança. E fazê-lo acreditar que não é donos do seu destino.

 

Não surge, aos olhos das pessoas, nenhuma alternativa política que lhes permita ter um horizonte de mudança. Nem um protagonista que lidere essa alternativa. O absoluto descrédito deste governo não se transforma em nada de positivo. Porque quem está na oposição ou apenas espera o seu momento ou limita-se a amealhar capital de protesto, sem saber bem o que fazer dele.

 

E nunca foi nas crises mais profundas que os maiores protestos aconteceram. As pessoas estão demasiado centradas nos seus próprios problemas. A tentar sobreviver. Foi sempre nos momentos de crescimento que os povos se mobilizaram para construir coisas novas. E foi sempre no início das crises ou quando se está a sair delas, que se revoltaram e os terramotos políticos se deram.

 

Acontece, no entanto, que há coisas que não voltam atrás. As privatizações que se estão a preparar dificilmente serão desfeitas. Os jovens que emigram, e que são os mais bem preparados deste país, não regressarão ao primeiro sinal de recuperação. Os mais velhos não terão outro oportunidade para viver o seu tempo de descanso. Os mais novos não voltarão, mais tarde, a uma escola que não lhes deu a qualidade de ensino que precisam. A crença na democracia demorará uma ou mais gerações a recuperar. Mas, acima de tudo, as vidas que se perdem, as tragédias pessoais que se repetem e deixarão marcas pessoais profundas, as empresas que vão falindo já não se remedeiam.

 

Ao contrário do que acontece em grande parte dos países europeus em crise, Portugal tem uma sociedade civil muito pouco ativa. Para além dos partidos e dos sindicatos, pouco existe na política nacional. Os partidos fazem cálculos. E, em Portugal, a maioria dos sindicatos é pouco dada a envolver-se com outros movimentos sociais. Ou seja, as suas ações mobilizam os sindicalizados e já politicamente ativos. E tudo fica entre os manifestantes do costume. Uma das exceções aconteceu a 15 de Setembro, numa manifestação marcada pelo Que se Lixe a Troika. E que, curiosamente, tiveram muito mais impacto político do que qualquer outra manifestação, obrigando o governo a recuar na questão da TSU. Porque conseguiu mobilizar para lá dos cidadãos mais politizados e ativos.

 

Dias depois da apresentação do mais violento, desigual e absurdo orçamento de Estado de que me recordo, o movimento Que se Lixe a Troika voltou a marcar manifestações para amanhã, em todo o País. Se nem depois deste assalto os portugueses tiverem um sobressalto... Claro que o Brasil não vai acontecer aqui. Porque no Brasil espera-se muito e aqui teme-se tudo. Mas a Espanha, a Itália e a Grécia estão a resistir. E por agora, é disso que se trata: travar o que se conseguir travar. Não esperar que seja o Tribunal Constitucional a fazer tudo pelos cidadãos. E mostrar que ainda há vida fora das redes sociais.

Publicado no Expresso Online

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