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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Lou Reed (1942-2013)

Sérgio Lavos, 28.10.13

 

Como aconteceu com quase todas as bandas que lançaram álbuns marcantes antes dos anos 90, cheguei aos Velvet Underground através de referências de músicos que admiravam essas bandas e que faziam parte do meu esquema das coisas. Quem me ensinou a gostar dos Velvet Underground foram os Nirvana. Passava na XFM uma cover de "Here She Comes Now", do álbum "White Light/White Heat", incluída num álbum de homenagem aos Velvet, "Heaven & Hell", o 1.º volume de uma série lançada em 1991. Acabei por comprar este álbum (mas agora não sei por onde anda) e ouvi incessantemente as músicas tocadas por bandas como os Ride, Chapterhouse ou Screaming Trees. Pouco tempo depois, comprei "Velvet Underground & Nico" e "Transformer", incluídos num top de melhores álbuns de sempre da XFM. A cover dos Nirvana, sendo mais pesada do que o original, mostrava o que os Velvet têm de melhor: as melodias urbanas cobertas por camadas de ruído, de feedback, até à saturação. As letras de Lou Reed completavam o efeito, criando uma atmosfera que, na minha imaginação, representa a Nova Iorque de Andy Warhol, entre o excesso e a depressão, um negrume distante do flower power e do psicadelismo, da pop colorida que parte do mundo ouvia na altura. Os álbuns europeus de Lou Reed foram, de certo modo, a mesma descoberta das cidades e de um submundo frequentado por prostitutas, chulos e traficantes - o brilhantismo das letras de Reed passa por uma atenção ao pormenor que transforma cada canção numa pequena história de fracasso, perda ou melancólica euforia -, uma descoberta partilhada durante algum tempo com David Bowie, também ele perdido (ou reencontrando-se) na Europa de onde tinha saído a determinada altura da sua carreira. Nunca tendo visitado Nova Iorque, sei bem que não a encontrarei como era nos anos 60, quando Lou Reed e John Cale, Bob Dylan e Andy Warhol, por lá inventavam o futuro da música. E se Dylan sempre se equilibrou entre o pretensiosismo dos artistas nova-iorquinos e um certo pendor evangélico de raiz rural, Lou Reed nunca saiu de Nova Iorque, mesmo quando andou pela Europa. Entre o minimalismo das guitarras noise - sim, milhares de bandas construíram carreiras à sombra dos caminhos desbravados pelos Velvet - e a poesia das ruas, Lou Reed foi provando que, com recursos mínimos (vocais, técnicos), se podem escrever grandes canções. É esse, no fundo, o espírito da música pop. Mesmo quando o abismo espreita em cada verso.

 

(Publicado inicialmente no Auto-retrato.)

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