Com chumbo do TC Passos fica sem pio
Não vou discutir aqui os aspetos técnicos da inconstitucionalidade da convergências das pensões. Muito mais do que o ataque aos salários da função pública, onde as decisões anteriores do Tribunal Constitucional deixam implícita uma decisão futura, esta dependia dum debate jurídico em que não me arrisco a entrar. Sei o que penso desta proposta, independentemente de qualquer consideração constitucional: que não é convergência alguma, mas um assalto aos pensionistas. Sobre isso, não me vou repetir. Já aqui escrevi sobre o assunto .
Correu, pelas redações e sedes partidárias, que o TC iria passar a coisa. Daí o entusiasmo em que o governo andaria. Correu depois, pelos mesmos ambientes, que, pelo contrário, o chumbo do TC ia ser esmagador e quase unânime. De tal forma expressivo que não deixaria grande espaço para manobras de propaganda governativa depois da decisão. E que era isso que explicava o regresso das pressões externas, sempre apadrinhadas e desejadas pelo governo, ao Tribunal Constitucional. E explicaria também porque deixou o governo para esta sexta-feira a sua remodelação, que, sendo uma das saídas a de Rosalino, dificilmente pode ser chamada de "mini". No meio do barulho, talvez o embaraço fosse menor. Parece ter-se confirmado a segunda versão, com votação por unanimidade.
Resta, portanto, discutir o que irá o governo fazer perante este chumbo. Trata-se duma medida que, só em 2014, vale 388 milhões. Sabemos que o governo não tem por hábito, e faz muito mal, usar as decisões do Constitucional para conseguir vantagens negociais com a troika. Pelo contrário, usa a troika para conseguir pressões sobre o Constitucional. Por isso, para além do problema financeiro, que o governo tentará resolver com medidas de austeridade pelas quais responsabilizará, já sem grande suceso, os juízes do Constitucional, tem um problema político nas mãos. É que a verificação de constitucionalidade foi pedida, em termos muito firmes, pelo Presidente da República. E atirar-se ao seu único aliado para as horas mais difíceis não é uma possibilidade.
Claro que o governo tentará atirar umas farpas ao TC, responsabilizando-o, com este ou com outro chumbo (falta o segundo round do orçamento), por não regressarmos aos sonhados mercados. Mas, azar dos Távoras, Mario Draghi estragou esse argumento, dizendo, ainda antes de qualquer má notícia, que o nosso destino já estava marcado. Não sobra, portanto, nada para dizer. Apenas baixar a cabeça e esperar que as rabanadas façam o resto na redução dos danos políticos. Sendo certo que a semana dos "sinais positivos" e do "relógio de Portas" (que o presidente do BCE já mandou parar) foi sol de pouca dura. Voltam todas as dores de cabeça a São Bento.
Feita a análise da "baixa política", engana-se quem acha que nestes assuntos o que está em causa é um braço de ferro entre o Tribunal Constitucional e o governo. O que está em causa é muito mais sério do que isso. É uma incompatibilidade entre imposições externas, decididas por burocratas à margem de qualquer mandato democrático (nacional ou europeu), e a lei dum Estado soberano que só pode ser alterada pelos eleitos. Quem julga que isto é irrelevante não se pode considerar um patriota. Mas, muitíssimo mais importante, não se pode considerar um democrata.
Publicado no Expresso Online