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Arrastão: Os suspeitos do costume.

A fauna do Atlântico

Daniel Oliveira, 02.04.05
É UMA nova revista. Esteve para se chamar «Ocidente», mas porque o termo incluía a tibieza ideológica da Europa, optaram por lhe chamar «Atlântico». Nada de especial a dizer. É apenas um exercício de tradução livre e caricatural da mesma lengalenga neo-conservadora do costume. Talvez um pouco mais arrojado: até há quem se aventure na defesa da guerra do Vietname. É de homem. Mas a fauna do «Atlântico» é que me interessa.

A direita portuguesa não tinha, ao seu dispor, desde a ressaca da ditadura, intelectuais. Tinha alguns economistas, juristas e tecnocratas, é verdade. Mas faltava quem lhe desse uma certa respeitabilidade ideológica. Nesta matéria, a direita não é diferente da esquerda: precisa de intelectuais para ganhar legitimidade. Quanto mais não seja, para zurzir nos intelectuais sem parecer taberneira.

Recentemente, entusiasmada com a ascensão de uma direita agressiva do lado de lá do Oceano, apareceu esta fornada. É verdade que, quando se fala dos costumes, o macho latino que neles habita sai das cavernas. É também verdade que, quando se fala da história portuguesa mais recente, lhes foge o pé para o chinelo. Mas, regra geral, tentam afastar-se da telúrica direita portuguesa.

Os seus inimigos principais são o «pensamento dominante», o «relativismo», o «multiculturalismo», os europeus em geral e os franceses em particular. Qual seita estalinista, encontraram no lado de lá do Atlântico o Sol dos povos.

Agora têm uma revista. A «Atlântico» nasce com a ajuda de empresários como Jorge de Mello, dados ao mecenato ideológico, e recebe uma providencial boleia do «Público», que transformou o primeiro número num encarte gratuito e lhe garante a distribuição e produção no futuro. Não é qualquer grupúsculo que tem direito a tamanhas mordomias. Sim, porque do ponto de vista da sua representatividade ideológica, estamos a falar de um grupúsculo. Moral da história: ao contrário do que dizem, é possível viver sem o mercado. Basta ter os amigos certos.