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Arrastão: Os suspeitos do costume.

A caminho de um Estado policial

Sérgio Lavos, 22.11.12

Depois da actuação criminosa da direcção da polícia na manifestação de 14 de Novembro, que pôs em causa a integridade física de agentes e de manifestantes pacíficos; depois dos procedimentos de cariz fascista após a carga, das detenções indiscriminadas de inocentes, da recusa de acesso a advogados, das agressões dentro de esquadras, do assédio de natureza sexual a mulheres detidas e da tortura psicológica; depois da mentira de Miguel Macedo, da negação de que existiam agentes inflitrados quando a própria polícia o admitiu e de que houve vontade deliberada de protelar a intervenção policial por razões dúbias. Depois deste acumular de indícios, mais um pisar da linha que separa os regimes democráticos dos totalitários: por ordem da tutela, a PSP entrou nas instalações de uma estação de televisão pedindo imagens não editadas dos cidadãos que exerciam o direito à manifestação. Uma sórdida história que, como não poderia deixar de ser, também terá tido o dedo de Miguel Relvas, uma das maiores aberrações da nossa coxa democracia. Até quando poderemos dizer mesmo que ainda vivemos num Estado de direito?

Alternativas

Sérgio Lavos, 21.11.12

Entregue o país às garras dos especuladores financeiros coadjuvados por meros funcionários de organismos internacionais com escasso conhecimento da realidade nacional e nenhuma vontade de perceber realmente o sofrimento que as políticas de empobrecimento estão a provocar nas pessoas, com a execução desta política rapace às mãos de um Governo de autistas, incompetentes e corruptos, intocáveis onde a justiça nunca há-de chegar, protegidos por uma polícia que começa a usar métodos e técnicas a que apenas os regimes totalitários costumam recorrer, começa a ser tempo de pensar em todas as formas de luta e de resistência, tudo o que estiver ao nosso alcance para parar esta deriva anti-democrática.

 

Na rua pode-se fazer muito, mas também há outras formas de resistência. No Insurgente, Carlos Guimarães Pinto publica um manual de evasão à opressão estatal inspirado nas ideias de Ayn Rand. Não concordando com algumas das premissas motivadoras do manual, acho os conselhos bastante úteis. Aqui ficam: 

 

"- Emigre: Quer tenha ou não emprego, nunca houve tão boa altura para emigrar. Apesar da crise em Portugal, muitas zonas do mundo estão em crescimento e a necessitar de mão-de-obra. Para além da oportunidade de aumentar o seu rendimento, ao não pagar impostos em Portugal, não estará a contribuir para a estratégia da coligação governamental.

 

- Deslocalize: se tiver um negócio, principalmente de exportação, só terá a ganhar em deslocalizá-lo. Portugal é dos piores países do mundo para fazer negócios de acordo com todos os rankings. Ao manter o seu negócio no país poderá ajudar a que a estratégia do governo falhe apenas por um bocadinho, provavelmente provocando um novo aumento de impostos no próximo ano para cobrir esse bocadinho.

 

- Tire uma sabática: Se estava a pensar há algum tempo parar de trabalhar, 2013 pode ser um bom ano. O país está em crise e a carga fiscal é a maior de sempre. Se parar de trabalhar não só tirará um merecido descanso como evitará escalões de IRS mais altos.

 

- Devolva a factura: a administração fiscal já começou a enviar e-mails a requerendo que todos peçam a factura, com o argumento de sempre: se todos pagarem, pagamos todos menos. Nos últimos 30 anos, o argumento tem-se demonstrado falso. Quanto mais é pago, mais os lobbies próximos do estado absorvem. Hoje pagam-se 3 vezes mais impostos do que há 30 anos atrás, isto apesar (ou devido a) da eficiência fiscal ter aumentado. Muitos comerciantes hoje receiam não dar a factura, seja por medo dos fiscais ou dos bufos voluntários que acreditam no argumento do Ministério das Finanças. Se não quiser contribuir para o esbulho fiscal, devolva a factura quando a receber. Sempre pode ser utilizada mais tarde para um outro cliente com a mesma compra, poupando o IVA ao comerciante. Pode ter a certeza que esse montante fará mais falta ao comerciante do que ao Observatório dos Neologismos do Português.

 

- Livre-se dos certificados de aforro: independentemente de questões ideológicas, comprar ao manter certificados de aforro deve ser neste momento o pior investimento possível. O estado tem-se servido da ignorância financeira de muitas pessoas para continuar a financiar-se a taxas baixas, apesar do elevado risco de não vir a redimir uma boa parte desses certificados. Ao comprar ou manter certificados de aforro, para além de fazer um péssimo negócio, está a a alimentar a tesouraria pública. É em geral má ideia manter dinheiro em Portugal, mas se não tiver outra alternativa, ao comprar barras de ouro ou investir em obrigações de empresas, além de mais lucrativo não estará a dar o seu aval às políticas do estado.

 

- Troque bens: o estado não pode taxar a troca de bens. Se em vez de comprar e vender bens/serviços, fizer troca directa, terá acesso ao benefício que esses bens e serviços lhe proporcionam, mas sem ter que pagar impostos ao estado.

 

- Pague tarde: se não conseguir mesmo evitar pagar impostos, pague o mais tarde possível. quanto mais tarde pagar, maiores serão os problemas de tesouraria do estado.

 

- Evite grandes compras: grandes compras, como carros novos e casas, representam grandes ganhos fiscais para o estado (no caso dos carros, metade do valor vai para o estado). Mesmo que tenha capacidade financeira para tal, adie esse tipo de compras.

 

- Não colabore: se é trabalhador das finanças, fiscal, faz parte das forças de segurança ou tem de alguma forma nas suas mãos o poder de fazer outros pagar impostos, não colabore. Lembre-se que obrigar alguém a pagar impostos, não fará ninguém pagar menos, apenas permitirá que mais políticos tenham reformas chorudas, que mais reitores vejam o seu orçamento aumentar, que antigos governantes alimentem as suas fundações ou que uma das 15 mil empresas que vive à custa do estado continue a fazê-lo. Embora seja compreensível do ponto de vista moral que alguém sem alternativas faça os mínimos para manter o seu emprego, já ir para além desses mínimos, apenas fará de si um colaboracionista."

Estado de Direito

Sérgio Lavos, 15.11.12

Menos de vinte e quatro horas depois, torna-se evidente que não só o Estado de Direito não foi respeitado pela PSP que atacou manifestantes indefesos, como sobretudo foi suspenso depois, quando a polícia se espalhou pelas ruas circundantes da Assembleia e começou a prender indiscriminadamente cidadãos, tivessem ou não estado presentes na manifestação. Mais de 100, de acordo com os relatos dos jornais e de activistas. O acesso a um advogado, obrigatório por lei, foi proibido pela polícia. O contacto com o exterior não foi permitido. E várias agressões policias tiveram lugar dentro das esquadras. Se isto não é uma grave ofensa ao Estado de direito, não sei o que possa ser. Não podemos aceitar métodos semelhantes às ditaduras sul-americanas, detenções ilegais e desaparecimentos de cidadãos inocentes que visam sobretudo a intimidação da população resistente. Que tanto Cavaco - responsável enquanto primeiro-ministro pelas cargas policiais mais violentas em democracia - como Passos Coelho - um perigoso arrivista - defendam a actuação da polícia não é surpreendente. É um sinal claro de que o o regime se prepara para estender o estado de emergência às liberdades cívicas fundamentais. Poderá haver muitos portugueses que concordem com esta suspensão da democracia. Mas os verdadeiros democratas não poderão pactuar com isto. Deixámos de ter soberania económica e financeira. Se abdicarmos da soberania política e democrática, colocamo-nos além de qualquer salvação. Este Governo e este presidente têm de ser parados porque são uma ameaça à democracia. Custe o que custar.

Fascismo

Sérgio Lavos, 14.11.12

Um fascista em todo o seu esplendor. Uma das primeiras coisas a serem controladas e suprimidas na Itália de Mussolini, na Alemanha de Hitler, na Espanha de Franco e no Portugal de Salazar, foi o direito à greve. Estamos esclarecidos em relação ao "liberalismo" deste pessoal do Insurgente. É nestas alturas de emergência que a verdadeira face de alguma direita se revela. O que é bom. Ficamos a saber quem são e ao que vêm.

O estado austeritário

Sérgio Lavos, 26.09.12

 

Em Espanha e na Grécia as botas cardadas do austeritarismo são calçadas pela polícia, sendo cada vez mais evidente que a receita apenas conseguirá ser aplicada recorrendo-se à violência de Estado e distorcendo-se os valores democráticos - nenhum povo pode aguentar durante muito tempo um alto nível de desemprego e o empobrecimento generalizado sem se revoltar. 

 

*A foto mostra o responsável de um bar da área onde aconteceu a manifestação de ontem impedindo que a polícia entrasse atrás de manifestantes. Votante do PP, indignou-se com o total descontrolo dos agentes.

"Um texto empapado de ideologia"

Sérgio Lavos, 05.09.12

 

Depois dos ataques da coluna infame patrocinada pela Fundação Pingo Doce - José Manuel Fernandes, António Barreto e a "esquerdista" Maria Filomena Mónica, esta e o primeiro sugerindo implicitamente que os textos de Manuel Loff deveria ser censurados pelo Público - Fernando Rosas entra na polémica sobre a História vista pelos olhos de Rui Ramos: 

 

"Não era minha intenção intervir na polémica que neste jornal tem oposto os historiadores Rui Ramos (RR) e Manuel Loff (ML), a propósito dos conteúdos sobre a História do século XX da de que o primeiro é, respectivamente, autor e co-autor. E não o faria, se o inacreditável artigo de Filomena Mónica (FM) publicado nestas colunas (1/8) a tal me não tivesse obrigado
Permitam-me que comece por situar a questão, tal como a vejo: é ou não científica e civicamente relevante discutir criticamente os pontos de vista que enformam a versão da História política do século XX subscrita por RR? Eu acho que sim. Porque é um texto bem escrito, porque teve ampla divulgação e, sobretudo, porque é matéria que se prende umbilicalmente com a forma como pretendemos legitimar o presente e fazer o futuro. No meu entender, foi precisamente isso que, à sua maneira e no seu estilo assertivo, mas onde não vislumbro nada de insultuoso ou pessoalmente difamatório para o criticado, julgo que Manuel Loff pretendeu fazer. Na realidade, essa parte da História de Portugal de RR, no seu modo corrente e aparentemente desproblematizador, no seu jeito de discurso do senso comum superficial e para o “grande público”, é um texto empapado de ideologia. Uma ideologia que faz passar a visão da I República como um regime ditatorial, “revolucionário” e de “terror”, por contraponto a um Estado Novo ordeiro e desdramatizado, quase banalizado na sua natureza política e social, transfigurado em ditadura catedrática, em regime conservador moderado e aceitável, apesar de um ou outro abuso. Essa visão — em vários aspectos semelhante ao próprio discurso propagandístico do Estado Novo sobre a I República e sobre si próprio — carece, a meu ver, de qualquer sustentação histórica. E, talvez por isso mesmo, convém salientá-lo, não é subscrita, ao que me parece, por uma significativa parte de historiadores e investigadores que, com diferentes perspectivas, trabalham sobre este período. 

O que julgo intelectualmente inaceitável é que alguns dos candidatos do costume a sacerdotes do “pensamento único” venham ameaçar com a excomunhão do seu mundo civilizado quem não aceitar o que eles parece quererem transformar numa espécie de cartilha ”normalizadora” do salazarismo e da sua representação histórica. Peço licença para dizer que, como historiador e como cidadão, não me intimidam. E por isso vamos ao que interessa. 
É bem certo que a I República, e já várias vezes o escrevi, não foi, obviamente, uma democracia nem política, nem socialmente, sobretudo no sentido moderno do termo. Com o seu liberalismo oligárquico, com as suas perseguições políticas (sobretudo na sua primeira fase contra as conspirações restauracionistas) e principalmente sociais (contra o movimento operário e sindical), foi um regime de liberdade frequentemente condicionada, à semelhança da maioria dos regimes liberais da Europa do primeiro quartel do século XX. Mas com o ser isso tudo, foi um sistema imensamente mais liberal e aberto do que o Estado Novo da censura prévia, da proibição e perseguição dos partidos, dos sindicatos livres, do direito à greve e da oposição em geral, da omnipresença da polícia política e da violência arbitrária, da opressão quotidiana dos aparelhos de repressão preventiva e de enquadramento totalizante. E tenho para mim que isso não é banalizável ou “normalizável”. Nem histórica, nem civicamente. É por isso que os valores matriciais da I República puderam ser os da resistência à ditadura salazarista e enformaram, como referência, os constituintes democráticos de 1976. 

Infelizmente, RR não compareceu a este debate. Refugiou-se sob o manto de uma pretensa intangibilidade moral, ou seja, de uma vitimização construída a partir, na realidade, da deturpação dramatizante das criticas do seu interlocutor. FM fez bem pior. Sem aparentar perceber nada de nada, veio à liça reclamar contra o facto de ML romper o consenso que ela acha que existia em torno do “terror republicano”, apodá-lo de “marxista leninista” e de “historiador medíocre” — quem falou de insultar? — sem discutir um único dos seus pontos de vista e confessando desconhecer e não querer conhecer a obra de ML! E embalou: a “deturpação de um texto”, diz FM, está na natureza dos comunistas e apela sem rebuço à censura do “seu” jornal contra tal gente. Isto tudo, claro está, porque, como se terá percebido, FM “gosta de controvérsia”... 
Para mim, ao contrário, acho absolutamente necessário que RR e FM continuem a ter pleno direito à palavra. Pelo menos, isso mantém-nos atentos e despertos relativamente aos “demónios capazes de despertar o pior da cultura portuguesa” (António Barreto dixit)" 
Sublinhados meus. Os textos anteriores de Manuel Loff, assim como o texto de Rui Ramos, podem ser encontrados no blogue da Joana Lopes, Entre as Brumas da Memória. O texto de Maria Filomena Mónica que suscitou a resposta de Rosas foi publicado no Insurgente.

Denegação por anáfora merencória

Sérgio Lavos, 04.09.12

 

Um manifesto do escritor Mário de Carvalho contra o esquecimento e o revisionismo histórico e contra o desejo que alguma direita tem de apagar a ditadura fascista de Salazar das páginas da História de Portugal:

 

"Eu nunca fui obrigado a fazer a saudação fascista aos «meus superiores». Eu nunca andei fardado com um uniforme verde e amarelo de S de Salazar à cintura. Eu nunca marchei, em ordem unida, aos sábados, com outros miúdos, no meio de cânticos e brados militares. Eu nunca vi os colegas mais velhos serem levados para a «mílícia», para fazerem manejo de arma com a Mauser. Eu nunca fui arregimentado, dias e dias, para gigantescos festivais de ginástica no Estádio do Jamor. Eu nunca assisti ao histerismo generalizado em torno do «Senhor Presidente do Conselho», nem ao servilismo sabujo para com o «venerando Chefe do Estado». Eu nunca fui sujeito ao culto do «Chefe», «chefe de turma», «chefe de quina», «chefe dos contínuos», «chefe da esquadra», «chefe do Estado». Eu nunca fui obrigado a ouvir discursos sobre «Deus, Pátria e Família». Eu nunca ouvi gritar: «quem manda? Salazar, Salazar, Salazar». Eu nunca tive manuais escolares que ironizassem com «os pretos» e com «as raças inferiores». Eu nunca me apercebi do «dia da Raça». Eu nunca ouvi louvar a acção dos «Viriatos» na Guerra de Espanha. Eu nunca fui obrigado a ler textos escolares que convidassem à resignação, à pobreza e ao conformismo; Eu nunca fui pressionado para me converter ao catolicismo e me «baptizar». Eu nunca fui em grupos levar géneros a pobres, politicamente seleccionados, porque era mesmo assim. Eu nunca assisti á miséria fétida dos hospitais dos indigentes. Eu nunca vi os meus pais inquietados e em susto. Eu nunca tive que esconder livros e papéis em casa de vizinhos ou amigos. Eu nunca assisti à apreensão dos livros do meu pai. Eu nunca soube de uma cadeia escura chamada o Aljube em que os presos eram sepultados vivos em «curros». Eu nunca convivi com alguém que tivesse penado no Tarrafal. Eu nunca soube de gente pobre espancada, vilipendiada e perseguida e nunca vi gente simples do campo a ser humilhada e insultada. Eu nunca vi o meu pai preso e nunca fui impedido de o visitar durante dias a fio enquanto ele estava «no sono». Eu nunca fui interpelado e ameaçado por guardas quando olhava, de fora, para as grades da cadeia. Eu nunca fui capturado no castelo de S. Jorge por um legionário, por estar a falar inglês sem ser «intréprete oficial». Eu nunca fui conduzido à força a uma cave, no mesmo castelo, em que havia fardas verdes e cães pastores alemães. Eu nunca vi homens e mulheres a sofrer na cadeia da vila por não quererem trabalhar de sol a sol. Eu nunca soube de alentejanos presos, às ranchadas, por se encontrarem a cantar na rua. Eu nunca assisti a umas eleições falsificadas, nunca vi uma manifestação espontânea ser reprimida por cavalaria à sabrada; eu nunca senti os tiros a chicotearem pelas paredes de Lisboa, em Alfama, durante o Primeiro de Maio. Eu nunca assisti a um comício interrompido, um colóquio desconvocado, uma sessão de cinema proibida. Eu nunca presenciei a invasão dum cineclube de jovens com roubo de ficheiros, gente ameaçada, cartazes arrancados. Eu nunca soube do assalto à Sociedade Portuguesa de Escritores, da prisão dos seus dirigentes. Eu nunca soube da lei do silêncio e da damnatio memoriae que impendia sobre os mais prestigiados intelectuais do meu país. Eu nunca fui confrontado quotidianamente com propaganda do estado corporativo e nunca tive de sofrer as campanhas de mentalização de locutores, escribas e comentadores da Rádio e da Televisão. Eu nunca me dei conta de que houvesse censura à imprensa e livros proibidos. Eu nunca ouvi dizer que tinha havido gente assassinada nas ruas, nos caminhos e nas cadeias. Eu nunca baixei a voz num café, para falar com o companheiro do lado. Eu nunca tive de me preocupar com aquele homem encostado ali à esquina. Eu nunca sofri nenhuma carga policial por reclamar «autonomia» universitária. Eu nunca vi amigos e colegas de cabeça aberta pelas coronhas policiais. Eu nunca fui levado pela polícia, num autocarro, para o Governo Civil de Lisboa por indicação de um reitor celerado. Eu nunca vi o meu pai ser julgado por um tribunal de três juízes carrascos por fazer parte do «organismo das cooperativas», do PCP, com alguns comerciantes da Baixa, contabilistas, vendedores e outros tenebrosos subversivos. Eu nunca fui sistematicamente seguido por brigadas que utilizavam um certo Volkswagen verde. Eu nunca tive o meu telefone vigiado. Eu nunca fui impedido de ler o que me apetecia, falar quando me ocorria, ver os filmes e as peças de teatro que queria. Eu nunca fui proibido de viajar para o estrangeiro. Eu nunca fui expressamente bloqueado em concursos de acesso à função pública. Eu nunca vi a minha vida devassada, nem a minha correspondência apreendida. Eu nunca fui precedido pela informação de que não «oferecia garantias de colaborar na realização dos fins superiores do Estado». Eu nunca fui objecto de comunicações «a bem da nação». Eu nunca fui preso. Eu nunca tive o serviço militar ilegalmente interrompido por uma polícia civil. Eu nunca fui julgado e condenado a dois anos de cadeia por actividades que seriam perfeitamente quotidianas e normais noutro país qualquer; Eu nunca estive onze dias e onze noites, alternados, impedido de dormir, e a ser quotidianamente insultado e ameaçado. Eu nunca tive alucinações, nunca tombei de cansaço. Eu nunca conheci as prisões de Caxias e de Peniche. Eu nunca me dei conta, aí, de alguém que tivesse sido perseguido, espancado e privado do sono. Eu nunca estive destinado à Companhia Disciplinar de Penamacor. Eu nunca tive de fugir clandestinamente do país. Eu nunca vivi num regime de partido único. Eu nunca tive a infelicidade de conhecer o fascismo."


*Publicado hoje na sua página do Facebook.

A subversão do sistema

Sérgio Lavos, 30.04.12

 

Duas pessoas decidem juntar-se à porta de um lugar público frequentado a distribuir folhetos. As pessoas passam, umas aceitam, outras recusam, algumas não chegam a parar. Se os folhetos forem de publicidade a uma cadeia de supermercados ou a uma loja de uma marca de luxo, essas duas pessoas poderão distribuir até ao fim a sua publicidade. O mesmo acontecerá com os distribuidores de jornais gratuitos, no meio do trânsito ou na rua. Se essas duas pessoas forem distribuir esses folhetos publicitários em frente a um Centro de Emprego, poderão fazê-lo à vontade, ninguém as incomodará. Mas se essas duas pessoas estiverem a distribuir folhetos com informação ao desempregados que entram e saem do Centro, informação sobre os seus direitos, sobre a melhor forma de se organizarem, então correrão o risco de serem identificadas pela polícia (que todos nós pagamos) e serem levadas a tribunal pelo crime de "manifestação sem a devida autorização". Isto aconteceu em Portugal, no dia 26 de Abril de 2012. A comissária Carla Duarte, porta-voz da PSP, veio dizer que um ajuntamento de duas ou mais pessoas já pode ser considerado uma manifestação. Trinta e oito anos depois de uma ditadura que proibia "ajuntamentos" por serem subversivos. Bem sabemos que à polícia muitas vezes falta bom-senso e, sobretudo, conhecimento da Constituição que é suposto defender. Mas este caso, que se soma a tantos outros acontecidos nos últimos meses, é mais um sinal de que alguma coisa insidiosamente preocupante começa a emergir neste país em plena suspensão da democracia. Porque o vulgar polícia de rua não aje desta maneira se não tiver as chefias do seu lado. E no topo da hierarquia está, uma vez mais, o ministério da Administração Interna, o único cujo orçamento foi reforçado para este ano. Miguel Macedo e o Governo PSD/CDS a que pertence sabem muito bem o que estão a fazer. Se isto não é gravíssimo e inadmissível, então começo seriamente a pensar que o limiar da decência há muito foi ultrapassado.

Obviamente, demita-se

Sérgio Lavos, 24.03.12

 

“na greve de 24 de Novembro detivemos um homem que estava a dar pontapés nas grades frente à Assembleia da República, mas quando já estava algemado disse que pertencia às brigadas de investigação criminal da PSP”

 

O ministro Miguel Macedo sempre negou que estivessem agentes provocadores na manifestação de 24 de Novembro. Os testemunhos de quem lá esteve sempre afirmaram o contrário. Os agentes provocadores não são admissíveis por lei, e são também um sinal claro de que a violência durante as manifestações interessa muito mais ao Governo do que aos manifestantes, que estão ali apenas a protestar - mesmo que haja alguém mais exaltado. Se esta revelação - a que se acrescenta a confirmação de que a ordem para os polícias agressores veio de cima -, feita por uma fonte do corpo de intervenção da PSP, não é grave, não sei o que poderá ser. Afinal, este é ainda um Estado de direito, ou não? A Miguel Macedo, depois das contradições, das mentiras e depois do que aconteceu na quinta-feira - manifestantes e jornalistas agredidos com uma brutalidade de cão danado - apenas resta um caminho: o da saída. Obviamente, demita-se.