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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Notícias da verdadeira «geração rasca»

Miguel Cardina, 31.03.11

O administrador dos CTT, Marcos Baptista, nomeado para o cargo pelo seu ex-sócio e secretário de Estado dos Transportes, Paulo Campos, suspendeu hoje o seu mandato após revelações de que teria falsificado o seu currículo académico. A notícia está aqui e só me fez lembrar um grande hit dos anos oitenta. Deve ser do calor.

 

Convergências e escolhas

Miguel Cardina, 25.03.11

Ao contrário do que já li por aí, este governo não caiu de podre. Caiu de manha, como alguns jogadores que pressentem o adversário por trás e simulam a queda na grande área. Do timing ao modo como foi preparada a apresentação do PEC 4, tudo foi feito para impossibilitar a sua aprovação pelo PSD, o parceiro habitual do PS nesta sucessão de medidas austeritárias. O PS procurou assim libertar-se do fardo de ter de ir receber à porta o FMI e abriu campo a um discurso de vitimização. Quanto ao PSD, empurrado pelas circunstâncias e pela fome de poder, lançou-se de imediato numa tentativa de demarcação política, que já levou Passos Coelho a um estranho exercício de faltar às promessas eleitorais antes mesmo de poder ser eleito. Como já estamos em clima pré-eleitoral, entraremos num período de crispação retórica que tenderá a encobrir as convergências de fundo entre a direita neo-liberal e a “esquerda-merkel”, como convenientemente lhe chamou Zé Neves. Por isso mesmo é muito interessante o quadro elaborado pelo Público sobre a “repartição dos sacrifícios” constantes nos PECs e a análise que o Nuno Serra faz dele, mostrando a sua intrínseca injustiça. Alguém consegue dizer-se de esquerda e manter a imperturbabilidade diante desse programa do bloco central tácito?

Retrato de um partido rendido ao poder

Miguel Cardina, 08.02.11

O PS abdicou da defesa dos trabalhadores e dos mais desfavorecidos. Trocou a sua matriz socialista pela adesão às teses neoliberais. Demonstra-se incapaz de questionar o poder do capital financeiro enquanto dono e árbitro do desenvolvimento económico. É dominado internamente por uma liderança autoritária que seca tudo à sua volta, que distribui lugares e se alimenta de promiscuidades. O PS acabou por se instalar no espaço do centro, tornando o país mais pobre, política e socialmente.

 

As considerações não são minhas. São de Ana Benavente, histórica militante socialista e antiga secretária de Estado da Educação. Reflectem o desencanto de uma significativa camada de militantes que não encontra em José Sócrates e na actual direcção do PS o arrojo político que caracterizou historicamente a social-democracia. Que, mais triste ainda, não vislumbram aí qualquer hipótese de reabilitação de um padrão ético que reequacione igualdade, liberdade e solidariedade. Não é um problema específico do centro-esquerda português, mas não há dúvida que no P português a erosão do S vai bastante adiantada. Veja-se, por exemplo, a inexistência de promoção de debate ideológico, o modo como maioritariamente se buscam diálogos e acordos com a face direita do espectro político, a forma como as estruturas dirigentes se mostraram enfastiadas com uma campanha presidencial que assumia claramente a defesa do Estado social e a crítica à chantagem dos mercados financeiros.

 

Será interessante perceber se no Congresso de Abril alguém se chegará à frente para fazer a figura de crítico do socratismo. António Costa e António José Seguro acham que ainda não chegou a sua hora. Manuel Maria Carrilho e Carlos César não estão disponíveis para desempenhar esse papel. É bem provável que ninguém se disponha a isso: os tempos futuros adivinham-se difíceis para um potencial sucessor de Sócrates e todos os militantes sabem que este eucaliptou bem o terreno em redor. Um adversário talvez desse jeito para que houvesse um simulacro de debate, mas o mais provável é Sócrates ter de ocupar-se sozinho do calor dos holofotes. Um passeio que dirá muito sobre o estado a que chegou um partido cada vez mais canibalizado pelo poder.

O mundo pode mudar em 24 horas

Sérgio Lavos, 21.10.10
Uma luz brilha ao fundo do túnel. Escolhida a task force que irá resgatar o país do cerco a que foi submetido, nada poderá correr mal daqui para a frente. As notícias que vão surgindo - um honroso 40º lugar no ranking da liberdade de imprensa, a mísera esmola de 400 milhões ao BPN - não vão impedir que se enverede pelo caminho justo. Enquanto tivermos do nosso lado o pior ministro das Finanças da União Europeia e o seu humilde servo Sócrates (as conferências de imprensa conjuntas desta dupla são bastante reveladoras) tudo terá remédio. Enquanto isso, encurralado na sua própria promessa, Passos Coelho esbraceja. Nada de novo na frente ocidental.

"Portugueses estão fartos de fazerem sacrifícios sem verem resultados"

Sérgio Lavos, 06.10.10
A frase é de António José Seguro, potencial candidato à liderança do PS. Haja quem destoe do pensamento único que se apoderou do partido do Governo desde que Sócrates se tornou líder. E, já agora, divergindo também do discurso do bloco central dos interesses. Não é o único: Henrique Neto, um dos fundadores do partido anteriormente conhecido por socialista, também critica o PEC 3 e a via sem saída para onde o país está a ser empurrado (o FMI, como sabemos, não se costuma enganar). Do outro lado da trincheira, há alguns que não se compadecem com essas minudências, tais como "sacrifícios dos portugueses" ou "medidas de austeridade", e continuam a gastar o dinheiro que não temos em aviõezinhos militares. É para levar a sério, a austeridade à moda de Portugal? Se fosse, uma das primeiras medidas tomadas teria sido o congelamento de todos os processos, iniciados por este ou por anteriores governos, com vista à aquisição de material militar. Seria o mínimo, o decente, a fazer. Mas a decência, já sabemos, é um luxo que há muito foi dispensado.

Filhos e enteados

Sérgio Lavos, 26.09.10

Há quem fale da influência negativa das elites como uma das principais causas do atraso do país. A generalização é sempre perigosa, mas há alguns exemplos interessantes que mostram até que ponto estas frases atiradas pelos profetas da desgraça fazem sentido. Hoje, por exemplo, na contracapa de um qualquer pasquim que passou de relance pelo meu campo de visão, uma frase e uma imagem: "Tenho ouvido o presidente dizer palavras sensatas", a frase, e na imagem pode-se ver o monarca na reforma, Mário Soares, sentado no cadeirão de tribuno que lhe é devido. Uma frase, que parece inverter o rumo de uma história antiga, e uma imagem, simbólica de um poder que não se esbate, que se prolonga muito além do tempo de duração de um cargo político. Um poder subterrâneo, decerto, que toda a gente conhece, mas que ninguém nomeia - e não há qualquer teoria conspirativa por detrás da cortina; é simplesmente assim, natural e inevitável. Dirão: mas haverá algum mal em ouvir os conselhos do pai do regime? Há; sobretudo se aceitarmos a conclusão de que, neste momento, há mais enteados do que filhos da Revolução. Estamos a chegar ao limite, ao ponto de não retorno, certo, mas o que realmente deixou de haver é paciência para a forma de fazer política deste pai e dos seus herdeiros, a extensa matilha de coiotes que se foi apoderando do poder e dele se tem alimentado durante as últimas décadas. Os bastardos de Sá Carneiro não são melhores - a eles devemos dez anos de dinheiro europeu e recursos naturais desperdiçados (durante os Governos de Cavaco), um primeiro-ministro que fugiu e uma piada que passa por político, o inefável Santana Lopes.

E Soares, que faz ele no pasquim, sentado no seu cadeirão de tribuno? Ressente-se, destila um rancor miudinho, vinga-se. Soares, o homem que lançou Fernando Nobre aos leões (e o incansável presidente da AMI não mereceria passar por tal papel), e agora recusa-se a apoiá-lo directamente (por muito que ele pedinche), elogiando o actual presidente. Sabemos quem é o outro candidato com possibilidades de vitória nas presidenciais - se Manuel Alegre passar à segunda volta, não se duvide que terá hipóteses de ganhar as eleições; e sabemos que a esse candidato nunca foi perdoada a traição, a candidatura sem apoio do primeiro partido do regime, o PS. Não há qualquer ingenuidade nas palavras deste velho tribuno, tudo fará para boicotar (de preferência, pela calada) a candidatura de Alegre. O resto - o estado das finanças, a crise internacional, o arrufo entre Sócrates e Passos Coelho -, pormenores sem importância, amendoins para os pobres. Estamos longe, muito longe, da velha ideia romântica do político ser eleito para servir o povo. Eu gostaria muito de não partilhar o sentimento generalizado de nojo perante a política. Mas há pouco, muito pouco, que me convença a sentir o contrário. Estamos todos de parabéns.

Até os relógios parados acertam duas vezes nas horas todos os dias

Pedro Sales, 30.07.10

O "debate"

Pedro Sales, 16.12.08
Segundo o Diário de Notícias, “influentes dirigentes da ala esquerda do PS”, como Cravinho, Maria de Belém, Vera Jardim, Ana Gomes ou Paulo Pedroso, ponderaram apresentar uma “moção global alternativa à de José Sócrates”. Temendo que a apresentação de um texto programático, mesmo sem apresentar uma candidatura alternativa, fosse encarado como uma divisão no partido em ano de eleições, “recuaram”.

Esta notícia é exemplar sobre o deserto de ideias e de reflexão crítica que tomou conta do Partido Socialista com José Sócrates. Tudo o que se desvie da unanimidade albanesa no apoio ao Governo é visto como um corpo estranho no interior do partido. Só assim se compreende a silenciosa passividade perante a transformação do principal espaço de debate interno de um partido, como é o caso de um Congresso, numa rampa de lançamento para o novo slogan eleitoral. Sintomático é que, de acordo com o próprio Paulo Pedroso, esse debate estratégico não tenha lugar por que “a direcção não decidiu os moldes em que se pode fazer esse debate”. Pois...