A democracia estará à altura
A três dias das eleições, as sondagens para as autárquicas têm vindo a mostrar que as pessoas parecem estar a acordar da letargia. Há dois meses, parecia que o PSD poderia reclamar vitória no próximo domingo, apostando apenas na inércia e na fraca oposição do PS. Mantendo as expectativas muito baixas - com a ajuda da maioria dos comentadores e da opinião publicada -, bastaria ao Governo perder por pouco e conquistar duas ou três câmaras importantes para sair das eleições reforçado. Mas as últimas semanas têm vindo a mostrar que as coisas podem não correr exactamente como o PSD esperava.
O que terá mudado? Primeiro, António José Seguro. Andou um pouco por todo o lado e apostou em tudo menos falar de política local, transformando a campanha num referendo ao Governo - a eleição possível depois de Cavaco Silva ter decidido manter em funções a moribunda coligação. A dramtização terá sido uma táctica acertada. Pedro Passos Coelho parece mais perdido do que nunca, num dia acenando com o fantasma de um terceiro resgate, no outro afirmando sem se rir que o país está no bom caminho. Paulo Portas, afastado das feiras e das praças, onde se sentia como submarino dentro de água, é, e será para sempre, o irrevogável, o homem sem nenhuma cara. No fundo, os dois líderes dos partidos do Governo não passam de mortos-vivos a comandar um Governo que já acabou em Julho passado.
Mas o que mudou, sobretudo, foi a percepção geral das pessoas. A boa campanha de Seguro ajudou, mas houve algo que poderá ter contribuído ainda mais para esta ideia: o desastroso início de ano lectivo. Pode parecer um assunto de menor importância, mas na realidade não é. Ao tocar naquilo que qualquer cidadão tem de mais sagrado - os filhos - o Governo, pela mão de Crato, cometeu um erro crasso. É que toda a gente sabe o que está a acontecer nas escolas diariamente. Mesmo tendo o assunto desparecido das televisões e dos jornais, a verdade é que ainda há milhares de horários sem professor, confusões gigantescas, escolas com falta de funcionários. E as pessoas já não engolem as falinhas mansas do ministro do rigor e da exigência.
Um exemplo, apenas: na turma do meu filho, ainda não há professor de inglês (6.º ano). Hoje, na primeira reunião de encarregados de educação, havia indignação geral por esta situação, e também pela falta de funcionários - reformaram-se seis e não foram substituídos - que leva a que o bar não esteja aberto durante a hora de almoço. A directora de turma, que tinha estado todo o dia a entrevistar professores candidatos à disciplina de Educação Musical, pôs as coisas como estão efectivamente a ser sentidas por professores, funcionários e pais: este está a ser o pior início de ano lectivo em muito, muito tempo. Uma mãe, a meu lado, mostrava-se incrédula com o discurso de negação de Crato, que continua a afirmar que tudo está a correr normalmente. As pessoas podem ser ingénuas durante algum tempo, mas não são parvas para sempre.
No próximo domingo, assistiremos a uma derrota do PSD um pouco por todo o país. Mesmo que o PS não conquiste as câmaras com que sonha, a esquerda no seu todo sairá fortemente reforçada. A CDU "corre o risco" de reconquistar autarquias que não ganhava há décadas e o BE deverá crescer no total de votos. No final da noite, certamente que os partidos do Governo não assumirão a derrota. Muito menos irão tirar consequências dos resultados, como se depreende do que disse Pedro Passos Coelho, prometendo não sair mesmo que o PSD seja derrotado. Essa promessa, sabemos muito bem, é uma maldição para o país. Mas a força do povo, mais cedo ou mais tarde, fará cair este Governo de perdição nacional. Com a democracia não se brinca.