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Arrastão: Os suspeitos do costume.

A barbárie do capitalismo

Sérgio Lavos, 17.08.12

Os 34* mineiros que foram executados pela polícia sul-africana estavam a lutar por um salário melhor. A companhia mineira, a maior produtora de platina do mundo, lamenta que as greves estejam a provocar uma quebra na produção. Um capitalista é um capitalista, seja na Inglaterra do século XIX, no Portugal de 2012 ou na África do Sul pós-apartheid. 

 

(Para percebermos bem o que é o jornalismo em Portugal actualmente, basta ver quantos media continuam a falar em confrontos entre grevistas e a polícia, quando as imagens mostram claramente uma execução. São os mesmos jornalistas que usam esse termo - "confrontos" - quando a polícia portuguesa carrega sobre manifestantes e jornalistas. Sintomático.)

 

*Número (infelizmente) corrigido.

FMI quer cessar ajudas à Grécia

Sérgio Lavos, 22.07.12

Andaram os dirigentes do criminoso centrão grego a prometer mundos e fundos ao povão com medo dos papões do Syriza para isto: o FMI ameaça fechar as torneiras, contrariando as "promessas" ao povo grego de que iriam continuar a financiar o país caso o Syriza não ganhasse. Tendo em mente que a Grécia está um ano adiantada em relação a nós, recapitulemos: com o primeiro e segundo resgates helénicos, os bancos internacionais (sobretudo alemães) recuperaram os empréstimos que tinham concedido durante os dez anos anteriores. A dívida pública neste momento está nas mãos da banca grega. A Alemanha e os países do Norte podem agora deixar cair a Grécia tranquilamente, nada lhes acontecerá. Portugal vai seguindo nos passos da Grécia: os países europeus estão cada vez menos expostos à nossa dívida, e se tivermos de sair do Euro, quem sofrerá são os nossos bancos - nós, o povo, já estamos a sofrer há um ano. Onde pára? Em Espanha, que já viu dinheiro a ser injectado sem necessidade de resgate directo ao Estado, e em Itália, cujo tecnocrata não-eleito, Mario Monti, se vai opondo como pode às políticas de Merkel. Somando tudo, o capitalismo predatório sairá sempre reforçado deste (breve?) abalo.

"É preciso tomar decisões difíceis para garantir a sustentabilidade do SNS" - Paulo Macedo

Sérgio Lavos, 11.07.12

 

Calhou estar agora a ler Histórias de Londres, um delicioso livro de viagens de Enric González (antigo correspondente do El País na capital britânica), recentemente editado pela Tinta da China na excelente colecção de relatos de viagem coordenada por Carlos Vaz Marques. A passagem que transcrevo é exemplar:

 

"A revolução conservadora de Margaret Thatcher - permita-se-me a digressão - teve consequência profundas no National Health Service, o antigo e de longa data exemplar sistema britânico de saúde pública. Descentralizou-se o sistema, deu-se autonomia aos hospitais, fomentou-se a competição entre eles e criou-se um pseudomercado da doença, cuja eficácia se media em número de tratamentos: quem captava o maior número de pacientes, recebia o maior volume de recursos públicos. Simultaneamente, favoreceu-se com incentivos fiscais a subscrição de seguros privados. Tudo isso conduziu, como noutros países europeus, a um sistema sanitário cada vez mais classista: clínicas totalmente privadas para os muito ricos, centros certificados e com um nível excelente no tratamento de treçolhos, panarícios, tornozelos torcidos e outros males baratos, e à lenta decadência dos serviços dedicados às doenças mais graves, aquelas que nunca poderão ser rentáveis. Thatcher e o seu cinzento sucessor, John Major, levaram no entanto a coisa a extremos nunca vistos na Europa continental. Desistia-se de operar fumadores cardíacos porque eles tinham escolhido a sua sorte, ou punham-se de parte os tratamentos mais dispendiosos, inclusive quando se tratava de crianças à beira da morte, se as probabilidades de êxito fossem escassas. A palavra de ordem era reduzir custos. (...)

Nos últimos anos da administração conservadora, os noticiários da televisão e as páginas dos jornais transformaram-se numa galeria permanente de doentes em lista de espera, rostos cianosados e dramas terríveis. Chegou a ser relativamente comum ir fazer uma operação a França ou à Alemanha, aproveitando os convénios europeus de reciprocidade. Entretanto, os thatcheristas protestavam contra os "reaccionários" que se opunham às suas reformas. John Redwood, um ministro tory comparável pela sua frieza ao Mr. Spock de Star Trek - uma comparação que não fazia justiça a Mr. Spock -, afirmou a certa altura que tudo não passava de "um choque entre liberdade e servidão". Palavras de Redwood: "Nós, do lado da liberdade, propomos que o paciente possa escolher o local onde quer tratar-se e o tipo de tratamento que recebe, e que decida individualmente o custo que quer que o tratamento da sua doença concreta tenha". Ou seja: tenho um caroço no peito mas só posso gastar 50 libras; creio, em nome da liberdade de escolha, que vou optar por um tratamento de pomada na minha própria casa.

 

 Qualquer semelhança com a actual realidade nacional não é pura coincidência.

 

(Sublinhados meus.)

Greve nacional dos médicos

Sérgio Lavos, 11.07.12

 

A cassete dos apoiantes do Governo repete: por que razão fazem os médidos greve, quando eles pouco ou nada sofreram com as medidas de austeridade? O que apenas demonstra que o entendimento que esta direita trauliteira tem da greve é apenas utilitarista. Por isso não percebem que há uma classe que possa ir nas suas reinvindicações além dos seus próprios interesses - mesmo não esquecendo que, antes de mais, eles lutam por esses interesses, ninguém é ingénuo a ponto de achar o contrário. Já vi por aí escrito que o Governo deveria simplesmente despedir os grevistas. Nesta e noutras greves que têm sido feitas. O que só demonstra o entendimento que esta direita trauliteira tem da democracia: uma maçada que deveria ser suspensa quando está em causa o "interesse nacional", esse termo de novilíngua que mascara uma agenda ideológica extremista. Mesmo quando este "interesse nacional" não é, na realidade, nada mais do que o interesse dos privados, os que estão a e irão lucrar com o fim do Serviço Nacional de Saúde - o currículo de Paulo Macedo, enriquecido com passagens por seguradoras e empresas ligadas ao sector da Saúde, fala por si. A sanha desta direita tenta, por todos os meios, virar trabalhadores contra trabalhadores. Sabendo que, com isso, facilitam a flexibilização das leis laborais. Se os trabalhadores (do privado ou da função pública) neste momento têm menos direitos - e a última revisão do Código do Trabalho representa um retrocesso de décadas - devem-no em grande parte à animosidade entre privado e público, à inveja que o pobre tem do remediado. Enquanto os trabalhadores do privado não perceberem que quanto mais força tiverem os sindicatos e as greves da Função Pública, melhor os seus direitos estarão protegidos, este Governo continuará a reduzir salários (Portugal é o país da OCDE onde os salários mais caíram em 2011, isto quando antes já era o sexto a contar do fim neste ranking), continuará a alimentar o trabalho precário, continuará a tentar transformar Portugal na China da Europa. Não entender estas coisas simples é dar argumentos à direita trauliteira para impôr a sua agenda de empobrecimento. Do país, e de todos nós. 

A austeridade nunca deu bom resultado

Sérgio Lavos, 06.06.12

Um excelente artigo de Ha-Joon Chang no Guardian:

"Durante a semana que passou, assistimos a uma série de más notícias na área da Economia. Os líderes da Eurozona parecem não ter vontade ou ser incapazes de mudar as suas políticas de austeridade, mesmo com o colapso iminente da Grécia e de Espanha e a contracção das economias do núcleo duro e estável da UE. A Inglaterra assiste passivamente ao terceiro quadrimestre consecutivo de contracção, com uma quebra inesperada na produção. Os números do desemprego dos EUA, divulgados na semana passada, confirmam que a recuperação económica do país tornou-se periclitante. Os maiores países a contribuir para a manutenção do nível de procura externa - principalmente a Índia e o Brasil, mas até mesmo a China - também estão a abrandar. Quatro anos depois do início da crise financeira, muitos países capitalista ricos ainda não recuperaram os níveis de crescimento pré-crise.

 

Ainda mais grave é o problema do desemprego. A Organização Mundial do Trabalho estima que há menos 60 milhões de pessoas empregadas do que haveria se se tivessem mantido os níveis de crescimento pré-crise. Em países como a Espanha ou a Grécia, as taxas de desemprego aproximam-se dos 25%, com as taxas de desemprego jovem superiores a 50%. Mesmo nos países que estão a sofrer mais atenuadamente com o problema do desemprego, como os EUA e a Grã-Bretanha, entre 8 e 10% das pessoas estão desempregadas. Se incluirmos quem desistiu de procurar emprego ou aqueles que se vêem obrigados a trabalhar em part-time por falta de oportunidades em full-time, chegaremos à conclusão de que o desemprego "real" pode ser superior aos 15%, nestes países. 

 

Viva a economia capitalista! Abaixo os parasitas do Estado!

Sérgio Lavos, 05.06.12

 

 

 

Diz o neoliberal Rui A., do às vezes liberal - dependendo da medida que o Governo pretende implementar e do índice de paranóia anti-esquerdista do dia de Helena Matos - Blasfémias:

 

"Impostos elevados sobre o rendimento das pessoas e das empresas são a fórmula necessária e suficiente para a destruição de qualquer economia e da riqueza de qualquer país que os aplique."

 

Bela frase de abertura, cujo texto que se segue tenta comprovar. Uma premissa, portanto. Vejamos alguns exemplos avulso de países com impostos elevados sobre o rendimento das pessoas e das empresas:

 

- Suécia

         - Impostos sobre rendimentos individuais - 0-57%

         - Impostos sobre empresas - 26.3% + taxas adicionais de 31.42% (Segurança Social e/ou TSU e outras taxas)

         - PIB per capita (paridade de poder de compra) - $40,393

         - Crescimento económico previsto para 2012 - -1%

 

- Noruega

         - Impostos sobre rendimentos individuais - 0–47.8%

         - Impostos sobre empresas - 28% + taxas adicionais de 0–14.1%

         - PIB per capita (paridade de poder de compra) - $53,470

         - Crescimento económico previsto para 2012 - 0.8%

 

- França

         - Impostos sobre rendimentos individuais - 0–40%

         - Impostos sobre empresas - 33.33% + taxa adicionais de 66%

         - PIB per capita (paridade de poder de compra) - $35,613

         - Crescimento económico previsto para 2012 - 0.2%

 

 

E agora exemplos de países com impostos reduzidos sobre o rendimento das pessoas e das empresas:

 

- Polónia

        - Impostos sobre rendimentos individuais - 0%, 18%, 32% ou 19%

        - Impostos sobre empresas - 25% + taxas adicionais de 41%

        - PIB per capita (paridade de poder de compra) - $20,334

        - Crescimento económico previsto para 2012 - 1%

 

- Roménia

        - Impostos sobre rendimentos individuais - 16%

        - Impostos sobre empresas - 16% + taxas adicionais de 45.15%

        - PIB per capita (paridade de poder de compra) - $12,476

        - Crescimento económico previsto para 2012 - -0.2%

 

- Uzbequistão

        - Impostos sobre rendimentos individuais - 11-22%

        - Impostos sobre empresas - 9% (sem taxas adicionais)

        - PIB per capita (paridade de poder de compra) - $3,302

        - Crescimento económico previsto para 2012 - 8% (uau)

 

- Burkina Faso

        - Impostos sobre rendimentos individuais - 2-30%

        - Impostos sobre empresas - 10-30%

        - PIB per capita (paridade de poder de compra) - $1,466

        - Crescimento económico previsto para 2012 - 7% (excelente) 

        

 

O liberal Rui A. prefere viver nos países livres da economia "parasitária", portanto (e ao acaso) na Polónia, na Roménia, ou mesmo nos quase perfeitos Uzbequistão ou Burkina Faso. E você?

 

(A foto foi tirada numa moderníssima fábrica de seda no Uzebequistão. Reparem bem no sorriso das crianças. O Rui tem razão: queremos mais destes paraísos na Terra.)

Tudo bons rapazes

Sérgio Lavos, 31.05.12

 

“O FMI disse-me que se livraram dele [António Borges] porque não estava à altura do trabalho e agora chego a Lisboa e descubro que está à frente do processo de privatização. Há perguntas que têm de ser feitas”

 

Esta frase do jornalista Marc Roche, correspondente do Le Monde em Londres e autor do livro recentemente editado em Portugal O Banco - Como o Goldman Sachs Dirige o Mundo, resume bem as intenções deste Governo no que diz respeito às privatizações. António Borges, o outrora salvador do PSD - uma facção laranja clamava em tempos por este burocrata forjado pelo Goldman Sachs - chegou ao país depois de ser despedido pelo FMI, pelos visto por pura incompetência, e Passos Coelho entregou-lhe o sensível dossier das privatizações. Um dos tentáculos menores da instituição financeira que domina o mundo actual, Borges servirá de fiel cangalheiro das empresas públicas portuguesas. Não será Papademos, o burocrata de transição não eleito na Grécia, Mário Draghi, o presidente do BCE, ou Mário Monti, outro burocrata de transição governando a Itália, mas é aquilo a que temos direito: um homem de mão do poder financeiro que controla os destinos do país e que certamente tirará partido da situação económica frágil para saldar o que é valioso a compradores financiados pelo banco americano. Conspiração? Brincadeira de miúdos, se comparado com antigas operações, incluindo as que levaram à crise financeira de 2008 e a que mascarou as contas da Grécia quando esta entrou no Euro. A política já não tem a ver com o governo do povo: é uma rampa de lançamento para oportunistas ou meio de controle financeiro pelos grandes grupos. À nossa escala, temos o Borges que merecemos: um tecnocrata incompetente escolhido a dedo para um trabalho sujo. 

Tratar criminosos como pobres (e pobres como criminosos)

Sérgio Lavos, 30.05.12

Enquanto que por cá um ministro que mentiu várias vezes em público sobre matérias gravíssimas que dariam direito a demissão e julgamento em qualquer país com um mínimo de respeito por si próprio ainda ocupa a sua cadeira de governante, em Espanha o Governo, com o apoio do BCE, prepara-se para subsidiar mais parasitas do Estado; não, não estou a falar de artistas (pelo menos na vulgar acepção da palavra), mas sim do Bankia, dirigido até ao naufrágio por um antigo dirigente do PP espanhol. O Rato foi o primeiro a abandonar o navio, mas nem por isso os buracos da instituição financeira deixarão de ser tapados por Rajoy, tudo em nome da manutenção de um capitalismo predatório que não se exime a cortar nos rendimentos disponíveis da classe média e dos pobres e que luta para manter os privilégios da banca e do um por cento com maior rendimento. A Comissão Europeia, cumprindo o seu papel de garante deste estado de coisas, já veio dizer que a Espanha não terá de cumprir o objectivo do défice para este ano. Os milhões que irão ser injectados no Bankia - um valor superior ao que Espanha irá ganhar nos cortes previstos na Saúde e na Segurança Social - irão fazer mossa nas contas, mas como estamos a falar da manutenção do status quo, abre-se uma excepção. Já que parece que o nosso Governo também não vai conseguir cumprir o objectivo do défice, não haverá por aí um outro BPN para convencer a troika a facilitar um pouco as coisas?

Sobre empreendorismo, criação de empregos e outras falácias capitalistas

Sérgio Lavos, 18.05.12

Nick Hanauer poderia ser, segundo algum jargão de esquerda, um porco capitalista. É um investidor de Seattle habituado a contratar pessoas para trabalhar nas suas empresas. E foi convidado para uma palestra TED - uma organização não-lucrativa norte-americana dedicada à divulgação de ideias inovadoras nas áreas da tecnologia e do investimento. A palestra que decidiu dar aparentemente não agradou aos organizadores. Tanto que o vídeo não foi publicado no site - eles consideraram a palestra demasiado politizada. E qual é a tese do milionário? A de que não são os empreendedores que criam postos de trabalho, emprego, mas sim os consumidores, quem compra os produtos que as empresas criam. Numa das passagens mais polémicas do discurso, Hanauer afirma mesmo que um patrão apenas contrata um empregado como último recurso; se a empresa não crescer, se os consumidores não comprarem, se a classe média perder poder de compra, não há novos empregos e os antigos começam a ficar ameaçados. Por isso, o milionário defende que os impostos sobre os mais ricos sejam aumentados e desse modo as desigualdades sociais se atenuem e a classe média possa aumentar o seu poder de compra. Parece simples e evidente, não é? Seria interessante que alguém do Governo português lesse o discurso de Hanauer e percebesse que a destruição da classe média que está a ser levada a cabo é meio caminho andado para a ruína do país. O "empreendedorismo", um dos fétiches favoritos de uma direita padecendo de uma absoluta falta de ideias, é uma cortina de fumo que não colhe numa realidade de consumidores sem dinheiro e de bancos que não querem financiar a economia. E a ideia, muito portuguesa, de que um empresário é um benemérito criador de postos de trabalho, não passa de um mito fantasioso e salazarento de quem apenas quer manter o status quo da rigidez social e da diferença de classes. Perceber e agir de acordo com esse entendimento seria a verdadeira mudança de paradigma. Portugal tem de perder o medo de existir.

 

- Ver o discurso completo aqui -