A constituição que faz de Passos Coelho primeiro-ministro
Nem toda a direita é estúpida, e nem toda a direita tem na sua essência uma aversão ao funcionamento da democracia. Este texto do João Luís Pinto, no Insurgente, coloca as coisas como elas deveriam ser colocadas por quem respeita as instituições e a Constituição, mesmo quando delas discorda:
"A Epístola de Passos Coelho aos Jotinhas com que foi ontem encerrada a Universidade de Verão do PSD trouxe-nos alguns fragmentos interessantes da sua perspectiva em relação ao exercício do poder e ao papel das instituições e da constituição num Estado de Direito. Trouxe-nos também uma revelação surpreendente, que não terá deixado de desiludir muitos dos que tomam as dores de defender aqui e ali o actual governo.
Essa revelação foi de que Passos Coelho não vê nenhum problema ou entrave à “reforma do estado” na actual constituição, e que a sua crítica se circunscreve à interpretação “subjectiva” que dela é feita pelo Tribunal Constitucional. Ora sendo o papel de qualquer tribunal o da interpretação subjectiva da lei, fica-nos em primeiro lugar a dúvida sobre qual será o modelo de fiscalização da constitucionalidade que terá em mente como alternativa.
Mais: a constituição na qual não vê entraves é a mesma constituição que conhecia e que estabelece as regras e os limites sob os quais que se candidatou e exerce o cargo de primeiro-ministro. Boa ou má, é esta constituição, interpretada pelo Tribunal Constitucional (e não outra, porventura redigida na sua cabeça ou tutelada pelo seu “bom senso”), que estabelece as regras e legitima o mandato do primeiro-ministro, e foi para a cumprir que escolheu candidatar-se e foi eleito.
É também assim natural que o primeiro ministro e os partidos que suportam o governo tenham que compreender que, assim como criticam a interpretação subjectiva do Tribunal Constitucional, também a sua crítica é subjectiva mas, hélas, tem de submeter-se por força das regras à força da primeira.