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O meu amigo Miguel Portas fez-me a seguinte critica (no meio de um longo e muitíssimo interessante texto sobre a Rússia) a propósito do que tenho escrito sobre Putin:
«O Daniel tem sido das pessoas que mais tem feito para denunciar “a islamofobia como o anti-semitismo do século XXI”. Por causa disso, tem abordado a questão turca com particular cuidado e equilíbrio. Pergunto-me se ele teria colocado o título “Lisboa mal frequentada” a uma visita de Gull ou Erdogan. Tenho a certeza de que não. Apesar de dirigirem um Estado prestes a invadir um outro país e reprimirem a resistência curda como os russos tratam da chechena. E que do ponto de vista dos Direitos Humanos é bem pior do que o russo. Não ocorreria ao Daniel tal título pela simples razão que ele sabe que a Turquia “é um processo em curso”. Sem abandonar as suas opiniões sobre Direitos Humanos, ele contextualizá-las-ia num sistema de prioridades que não fariam deste dossier o “dossier dos dossiers”.»Vamos então por partes: Islamofobia, Turquia e Rússia.
Não tenho nenhum problema, quando falo de um país muçulmano, de fazer da questão dos direitos humanos a agenda a das agendas. Quando estive no Iemen, que o Miguel também conhece, escrevi variadíssimas vezes sobre o assunto. A minha questão é não aceitar para os países muçulmanos um tratamento de excepção. Quer isto dizer: quando há violação dos direitos humanos na Birmânia ou na China ou na Rússia, trata-se de uma questão política ou histórica. Quando chegamos aos países muçulmanos a razão passa logo a ser religiosa ou cultural. É isso, e não as merecedíssimas criticas à violação dos direitos humanos em tantos países árabes e muçulmanos, que transforma uma crítica política em islamofobia. Aliás, essa postura é transportada rapidamente para as comunidades muçulmanas no Ocidente. Não é, por isso, uma critica a regimes concretos, mas a todo um povo.
Ora, não sinto que ande por aí nenhum tipo de russofobia. As criticas que ouço e leio ao que se passa na Rússia são criticas ao regime e a Putin. Mais: dão sempre atenção aos que a ele se opõem internamente.
Quando não centro a minha atenção na questão dos direitos humanos quando escrevo sobre a Turquia, é exactamente porque, apesar dos evidentes atropelos aos direitos humanos (sobretudo dos curdos, mas não só), acontecem quando há um processo real de democratização. Erdogan, de quem, como o Miguel, estou ideologicamente distante (trata-se de um conservador de direita nos costumes num país aparentemente - e só aparentemente - laico, e de um liberal numa economia semi-socializada), está de facto a iniciar um processo de desmilitarização do Estado, de democratização da sociedade e de imposição de regras de respeito pela liberdade individual e religiosa. Mais: mesmo em relação aos curdos, e apesar da situação agora existente, houve uma enorme evolução. Erdogan iniciou uma nova fase na relação com os curdos. Menos violenta, culturalmente mais tolerante e com enormes investimentos em regiões esquecidas. Não era por acaso que a esquerda curda estava disposta a ajudar o AKP na eleição do Presidente, se tal tivesse sido necessário. Erdogan tem um espaço limitado e não sei se será capaz de manter esta postura com a questão curda. Até suspeito que não. Mas, não posso deixar de assinalar a evolução.
Pelo contrário, com Putin a violência sobre a Chéchénia não diminuiu e a perseguição indiscriminada a chechenos apenas pela sua nacionalidade não cessou. O discurso nacionalista, exactamente ao contrário do que acontece com a Turquia, é uma das principais fontes de legitimação do poder de Putin. Há maiores ataques, ao contrário da situação turca, às liberdades cívicas do que havia quando Putin chegou ao poder. Há uma centralização do poder num só homem, uma destruição de todos os elementos que podem constituir uma democracia e um crescendo de ataques às liberdades cívicas. Ou seja: entre o respeito pelos direitos humanos na Turquia e na Rússia a diferença pode não ser muito grande. Acontece que estão a caminhar (mesmo tendo em conta o disparate que se prepara no Curdistão iraquiano) para sentidos opostos. Sim, há "um processo em curso" na Turquia e outro na Rússia. Vão é para lados opostos. E essa é a diferença que faz da agenda dos direitos humanos central ou não. Na Turquia, devemos defende-la para acelerar as reformas. Na Rússia a coisa é mais dramática e urgente. Temos de a defender para travar algumas reformas.
Até percebo que o Miguel queira acentuar o papel de Putin na tentativa de travar as máfias e os oligarcas que tinham tomado conta da Rússia. Não é um pormenor. Os direitos humanos no meio do caos seriam sempre uma absoluta impossibilidade. E compreendo que não se esqueça que perante o capitalismo selvagem reinante foi fundamental devolver algumas funções ao Estado. A questão é sempre a que preço e levando a Rússia para onde. E é aqui que divirjo do Miguel. Num país qe praticamente nunca conheceu a democracia, num país Imperial e militarizado, Putin dá todos os sinais de querer mais do mesmo e não, como acontece na Turquia, partir do mesmo para chegar a um pouco melhor.