Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Arrastão: Os suspeitos do costume.

Sim, já podemos

Daniel Oliveira, 29.10.08
Durante três anos ouvimos a conversa do inevitável. Escolas e urgências fecharam porque não havia dinheiro. Museus ficaram sem vigilantes por causa dos cortes orçamentais. O tempo de reforma foi encurtado porque a segurança social não era sustentável. Os impostos subiram porque tínhamos de fazer sacrifícios. Os funcionários públicos, e com eles os do privado, perderam quase 10% de poder de compra nos últimos anos porque não podíamos pagar aumentos salariais. O défice, que, como era previsível, deixou agora de ser uma prioridade para a Europa, explicava tudo. Só não explicava as obras públicas megalómanas.

Até que se aproximam as eleições e tudo passa a ser possível. Podemos pagar aumentos salariais, aumentos nas reformas, tudo. Agora Sócrates diz, preocupado, que todas as famílias precisam de ajuda. Não precisavam antes? Ou não terá dado o nosso primeiro-ministro pela crise que nos acompanha, mais do que aos restantes europeus, há uns anos? Não terá reparado no aumento do desemprego que atira milhares para a miséria? Não terá reparado no desespero da classe média que, com o aumento das taxas de juro, não sabe como continuar a pagar as prestações da casa?

Mas afinal era possível. Afinal havia dinheiro. O Governo estava apenas a guardar-se para o ano de todas as eleições. E foi neste preciso momento que saiu a sorte grande ao PS: a crise financeira internacional. Três em um: o Governo tem um argumento para abrir os cordões à bolsa, tem um álibi para a crise nacional - que, na realidade, é anterior à crise mundial - e começa já a escrever o guião em defesa da estabilidade política e da maioria absoluta. Com que cara Sócrates vai voltar a exigir sacrifícios depois das eleições? Com a mesma de sempre. Mais uma vez, será culpa da crise.

Indecisos

Daniel Oliveira, 29.10.08
Em todos os debates presidenciais americanos os principais canais de televisão escolhem um painel de indecisos para avaliar o desempenho dos candidatos. Quando os candidatos dizem que lhes vão dar uma casa e baixar-lhes os impostos eles dão nota positiva, quando os candidatos se atacam mutuamente eles dão nota negativa. Os indecisos odeiam polémicas. É por isso mesmo que são indecisos.

Há dois tipos de indecisos: os marcianos e as primas-donas. Os marcianos são aqueles que, dois anos depois da campanha mais mediática de sempre ter começado e com dois excelentes candidatos, olham para a televisão e perguntam: o que é que o velho e o preto estão para ali a dizer? São os calões da turma. Temos de ter paciência e repetir a matéria dada. E, no fim, quando tudo lhes foi explicado, dizem enfadados: são todos iguais, querem é tacho!

Como decidem o seu voto? Mistério! Mas bem pior são as primas-donas. Como nos últimos dias de campanha é para os indecisos que se fala, a prima-dona quer manter o estatuto e a atenção. A rábula resulta. É por isso que é perigoso facilitar demasiado o voto através da Internet, do multibanco ou do telemóvel. Não! Há que dar trabalho ao indeciso. E, em último caso, desmobilizá-lo do voto. O mundo não pode depender de pessoas que demoram vinte meses a decidir onde fazer uma cruzinha.

Azar ao jogo

Daniel Oliveira, 29.10.08
A Islândia era um país relativamente pobre antes da II Guerra. Depois, graças a uma base militar americana, à exportação de peixe, ao investimento em tecnologia e educação e à adopção do modelo social nórdico, transformou-se num dos países com maiores índices de desenvolvimento e produtividade do mundo. Só que a Islândia nadava em dinheiro. Com apenas 300 mil almas penadas, o dinheiro sentia claustrofobia insular. Os bancos do país começaram a alargar os seus negócios para outra paragens e a investir em mercados muito mais arriscados mas com maior retorno. Correu bem e a Islândia teve, na última década, um crescimento de 4% ao ano. Até que rebentou a crise. Os bancos islandeses, demasiado gordos e expostos, entraram em colapso. Arrastaram a ilha com eles. Os islandeses descobriram que o dinheiro dos seus fundos de pensões empatados nas bolsas correspondia a 133% do PIB anual. E a prudente Islândia, que teve de chegar a velha para se meter no jogo, ficou na penúria. Os três maiores bancos foram nacionalizados, a coroa islandesa estatelou-se e a ilha está à beira da bancarrota.

Nada aconteceu à economia real islandesa. Continua a produzir-se muito e bem, continua a exportar-se peixe e eles continuam a ser poucos e educados. E antes desta engorda, o país estava bem e recomendava-se. Foi a ganância que tramou os islandeses. A mesma ganância que levou 300 mil britânicos, incluindo Câmaras Municipais, universidades, hospitais, instituições de beneficência e até uma associação de abrigo para gatos, a investir mais dinheiro na banca islandesa do que a prudência recomendava. Gordon Brown veio em seu socorro e usou uma lei antiterrorista para salvar as libras de se afogarem no Atlântico Norte.

De um dia para o outro, o país onde melhor se vivia ficou com uma inflação estratosférica, tem de pedir dinheiro aos russos, nacionalizou os seus três maiores bancos e, pela primeira vez na história, o seu primeiro-ministro anda na rua com um guarda-costas. É o que dá pôr tudo o que se ganhou a trabalhar a render no jogo.

Sempre de volta

Daniel Oliveira, 29.10.08
Os últimos 13 anos da sua história falam por si. Foi Presidente do Sporting e saiu do Sporting. Foi presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, deixou a Figueira da Foz falida e foi-se embora para ser presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Deixou Lisboa falida e foi-se embora para ser líder do PSD e primeiro-ministro. Foi despedido de primeiro-ministro antes que o país se desfizesse em gargalhadas e concorreu às eleições. Conquistou o segundo pior resultado de sempre do PSD mas nunca se conformou. Escreveu livros, abandonou uma entrevista e voltou a ser candidato à liderança do PSD. Perdeu de novo. E é este homem, que deixou todos os cofres sem dinheiro e todos os humoristas com muito material, que o país não quis e que nem o PSD aceitou de volta, que Manuela Ferreira Leite vai repescar para governar a capital. Que Santana não sabe quando deve parar de voltar, não é novidade para ninguém. Mas estará a candidata 'contra o populismo' assim tão desesperada?

Liberal absoluto

Daniel Oliveira, 29.10.08
Quatro dias antes da Lehman Brothers decretar falência, os gestores do banco planeavam entregar 20 milhões de dólares de bónus a três colegas que se iam embora da empresa. Ainda não tinha passado uma semana do momento em que o Estado enterrara 85 mil milhões de dólares dos contribuintes norte-americanos na seguradora AIG e os seus executivos já rumavam a um "resort" de luxo na Califórnia, com alguns dos seus melhores clientes, para um retiro de 'trabalho'. Quase meio milhão de dólares, foi a factura paga com dinheiro dos que vivem a tragédia económica. No meio da hecatombe, o banquete. Nenhum destes episódios explica a situação em que estamos ou chegaria sequer para piorar o que já está péssimo. Mas são uma pequena imagem da absoluta falta de obrigações morais e sociais que domina os homens que dominam as nossas economias.

Os ultraliberais teimam em tratar tudo o que aconteça na economia com metáforas naturais. Depois da tempestade virá a bonança. Deixe-se morrer erva daninha e a melhor crescerá mais forte. Negam, com a trivialidade telúrica dos seus argumentos, o carácter político e ético da economia. Todos os domínios da nossa existência são condicionados por um único dogma: a liberdade começa e acaba no mercado. A sua ideologia destrói os fundamentos da regulação da vida em sociedade, que é a razão de ser de qualquer democracia. Sendo amoral e absoluto, o liberalismo económico transformou-se na ditadura ideológica do século XXI e no maior perigo para a nossa liberdade. Pelo mercado, como antes pela raça ou pela revolução, nenhuma vida concreta tem realmente qualquer valor, nenhum valor tem qualquer relevância. Quase trinta anos depois da revolução começada por Reagan e Thatcher, é hoje uma evidência que devolver à sociedade, organizada no Estado, o poder de estabelecer limites numa economia sem rosto e sem nomes, e por isso moralmente irresponsável, não é um acto radical ou sequer revolucionário. É um acto de sobrevivência.

Pequenos por opção

Daniel Oliveira, 29.10.08
Portugal reconheceu a independência do Kosovo. Vale o que vale. Nem o Kosovo se preocupa com Portugal, nem Portugal se preocupa com o Kosovo. Mas para quem ache que a coerência tem algum valor foi confrangedor ouvir o ministro Luís Amado. Explicou que com este reconhecimento se abre uma caixa de Pandora. Que tudo por ali foram erros. Conclusão: reconhece-se a independência. Porquê? Porque os nossos aliados (EUA) reconheceram e porque não queremos ser confundidos com quem tem problemas com nacionalismos internos (Espanha).

Que nada de relevante distingue o Kosovo da Abkazia ou da Ossétia do Sul, que a partir de agora é legítimo um país invadir territórios de um Estado para lhes dar a independência, que depois disto só pode vir a grande Albânia, com mais conflitos nos Balcãs... Nada disso interessa. Sobretudo depois de o ministro ter recebido directivas de Condoleezza Rice em visita a Lisboa. Um país de governantes pequenos será sempre pequeno. Só quer aparecer no boneco com os senhores crescidos. Não é sina. É uma escolha.

De chapéu na mão

Daniel Oliveira, 29.10.08
O que perturba não é uma ou outra casa camarária de Lisboa ser dada ao sabor dos humores de um vereador. Seria apenas um escândalo. O que mais indigna é serem três mil e esta prática ter sido corrente em todos os executivos camarários. Há anos que se defende uma bolsa de arrendamento jovem para travar a desertificação do centro da cidade e que parte do realojamento de quem realmente precisa de casa deve ser feito na cidade consolidada. Havia três mil casas que podiam ter sido usadas para isto e serviram para comprar cumplicidades, apoios e simpatias.

A cunha e o nepotismo são especialmente perigosos quando, para quem os pratica e para quem deles beneficia, não tem esse nome. Quando estes actos são vistos com tanta naturalidade que ganham a legitimidade do hábito. E é neste ambiente que o poder se alimenta do favorzinho pedido com jeitinho, de chapéuzinho na mão, ao senhor presidente. Que haja tanta gente que beneficiou desta cultura enraizada a achar que as benesses que recebeu são um assunto pessoal é apenas a prova de que somos, na nossa consciência democrática, um país subdesenvolvido. Precisavam de casa? Milhares de pessoas que não conhecem ninguém na Câmara, também. Se o Estado é de todos tem de tratar todos por igual. Porque quando trocamos direitos por favores deixamos de ser livres. Passamos a depender da arbitrariedade de quem nos governa.

O relógio regulador

Daniel Oliveira, 29.10.08
Os escriturários da Entidade Reguladora da Comunicação não param. O seu presidente escreve lençóis de prosa no 'Diário de Notícias', usando um tom jocoso para falar da imprensa que supostamente deve regular. A sua activista mais mediática, Estrela Serrano, desdobra-se em artigos de opinião, debates e polémicas. Uma entidade reguladora, achava eu, dedicava-se a pareceres e deliberações. E com poderes tão alargados, seria de esperar algum formalismo no seu funcionamento e alguma sobriedade na exposição pública dos seus membros.

No meio do frenesim editorial, os burocratas lá arranjam tempo para pôr os seus cronómetros a funcionar. Fizeram as contas e pressionaram a RTP a reduzir o tempo de Marcelo Rebelo de Sousa para ficar milimetricamente igual ao que é atribuído a António Vitorino. Se aumentassem o de Vitorino seria melhor.

Ganharíamos em produtividade, caindo todo o país em sono profundo nos serões de segunda-feira. Ainda assim, não seria mau explicar à ERC que comentário político, mesmo não sendo neutro, não é tempo de antena. Que os comentadores não podem ser escolhidos em função do seu cartão partidário - e o pecado começou no convite a Vitorino para compensar a presença de Marcelo. Que o pluralismo da opinião não se mede com um relógio. E que teríamos todos a ganhar se os jornalistas da RTP pudessem, nos intervalos de deliberações e pressões externas, ter algum tempo para definir os seus critérios informativos. A ver se, com tanto serviço para o serviço público de televisão, ainda lhe sobra algum público e alguma televisão.

Nada fracturante

Daniel Oliveira, 29.10.08
Ao menos Manuela Ferreira Leite foi clara: pessoas do mesmo sexo não devem casar porque o casamento visa a procriação. Claro que isto deveria invalidar o casamento de mulheres fora do período fértil ou casais estéreis. Claro que há milhares de portugueses que casam sem ter filhos e que têm filhos sem casar e não consta que isso seja um problema para a sociedade. Claro que não há nada na lei que diga que é essa a função do casamento. Mas esta posição tem a vantagem de dizer ao que vem.

Bem portuguesa é a postura do PS. Nem que sim nem que não, antes pelo contrário, que eu cá não quero problemas. Não está no seu programa, o que é uma maçada. Fará escola esta ideia de que os partidos votam contra o que não está no seu programa? Que parte da legislação aprovada sobreviveria? Já o vice-presidente do PSD foge pela janela do costume. Faça-se, um dia destes, um referendo. Acontece que direitos constitucionais não se referendam. A igualdade perante a lei não se referenda. A maioria não pode impedir a minoria de gozar dos mesmos direitos que ela atribuiu a si própria.

A Constituição é clara no seu artigo 13º, proibindo que qualquer pessoa seja prejudicada ou beneficiada em função da sua orientação sexual. É verdade que todos os direitos são ponderados tendo em conta outros direitos. Acontece que o casamento entre pessoas do mesmo sexo não prejudica ninguém. Não retira um único direito aos heterossexuais. Se não referendo se um casal heterossexual se deve casar ou tem de permanecer em união de facto, por que raio me acharia no direito a decidir como vivem os homossexuais a sua vida?

Estamos a falar do primeiro de todos os direitos: o de sermos iguais perante a lei. Se isto é fracturante não sei o que será consensual em democracia. Quem acha mal que pessoas do mesmo sexo se casem tem bom remédio: não se casa com uma pessoa do mesmo sexo. Quando é que vamos perder o hábito de querer que a lei decida o que é melhor para a vida pessoal de cada um?

Babysitter Magalhães

Daniel Oliveira, 29.10.08
Parece que o 'Magalhães' é um computador. Ou seja, quando ligado à Internet faz uma coisa extraordinária: liga-se a "sites" impróprios para menores. Parece que até tem um programa de controlo parental. Mas parece que, coisa rara, tem de ser activado. E parece que o Estado deixou que fossem os pais a decidir que interdições querem activar no computador que pagaram e vão ter em casa. Parece que muitos jornalistas julgavam que os pais podiam pôr os seus filhos em contacto com o mundo, dando-lhes uma ferramenta de trabalho, e depois ficarem refastelados no sofá, deixando um software a fazer o trabalho que só um adulto pode fazer. Com ou sem filtros informáticos, só há uma forma eficaz de controlo parental: o controlo parental. Sem histerias ou paranóias, que só servem para que os miúdos agucem o engenho.

Ser pai é uma tarefa difícil. Ser pai num mundo em que o exterior nos entra pela casa dentro é ainda mais difícil. Mas tem vantagens. Sendo certa uma coisa: o Estado e a comunidade podem fazer imenso por nós. Mas não nos podem substituir em casa. Felizmente.