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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Sufjan Stevens no Natal

Sérgio Lavos, 24.12.11

 

Sufjan Stevens lançou em 2006 aquele que será um dos melhores álbuns de Natal de sempre, "Songs for Christmas", uma caixa com cinco EP's que reúnem canções gravadas ao longo de cinco anos para oferecer a familiares e amigos nesta época. Versões de canções tradicionais e canções originais, cantadas e tocadas à maneira se Sufjan, melancólicas e delicadas, um manual para aprendizagem de um Natal alternativo. "O Come O Come Emmanuel" é uma das versões. 

Nevermind - vinte anos que passaram a correr

Sérgio Lavos, 24.09.11

 

No dia 24 de Setembro de 1991, o álbum Nevermind sai para as lojas; no dia 11 de Setembro de 2001, dois aviões embatem nas Torres Gémeas e matam quase 3000 pessoas.

 

As duas datas, sem nada que pareça aproximá-las, acabam por ser duas importantes balizas da geração a que pertenço. Em 1991 eu ainda achava que nunca chegaria à idade adulta; em 2001, eu já tinha entrado nessa idade sem me ter dado conta. Até que uma realidade tingida de ficção me desperta. 

 

A experiência do mundo é sempre individual, solitária; mas os dois acontecimentos certamente marcaram milhões de filhos da bonança dos oitenta. Curiosamente, somos nós, os da Geração Rasca, que agora mais sofremos as agruras de um capitalismo precário.

 

E os Nirvana, o que têm eles a ver com isto? Deixando um pouco de parte a música, o impacto de Nevermind foi um fogacho que rompeu o domínio da mentalidade consumista a que o mundo estava submetido naquela época. E, simultaneamente, o exemplo de como o capitalismo joga todas as mãos com um trunfo no bolso: os putos niilistas de Aberdeen, uma pequena cidade no Noroeste dos EUA, tornaram-se de um dia para o outro estrelas planetárias, os heróis que vieram substituir Axl Rose e rock bem composto que formava o gosto da juventude. Como diz Mickey Rourke (outro herói dessa década) em The Wrestler, os Nirvaram chegaram e estragaram isto tudo. E o capitalismo abraçava os que o desprezavam - como sempre o fez.

 

E é fácil de perceber como: a pose rebelde do hard rock era um postiço tão evidente como as lutas simuladas do wrestling. Axl Rose batia na namorada mas era um menino mimado com demasiado dinheiro nas mãos e um talento mais do que duvidoso (e nesta frase não entra Slash). As tabelas eram dominadas pelo eurotrash e a britpop ainda não atingira o seu auge. E, de repente, surge uma banda que na aparência tinha um som violento, que remexia as entranhas; e pareciam tão reais, as letras de Kurt Cobain, a sua dor. Os adolescentes marginalizados encontravam o seu herói; e a onda varreria o mainstream, o tal fogacho.

 

Ao longo do tempo, muito se escreveu sobre as razões por detrás do êxito. Chegou-se a acordo sobre um ponto: entre as linhas de baixo vigorosas de Krist Novoselic, a bateria pujante (e brilhante) de David Grohl, a acidez das guitarras e a voz agreste de Kurt Cobain, escondia-se uma doçura pop que devia mais aos Beatles do que ao punk. Em parte esta acepção é verdadeira: Cobain admirava a banda inglesa. Mas os especialistas musicais não precisariam de ir tão longe. No punk - a linhagem directa dos Nirvana - sempre houve muito pop. Ou será que os Ramones nunca ouviram Beach Boys? E os Sex Pistols, não serão eles um dos melhores exemplos de aproveitamente da cultura popular de sempre - a imagem, acima de tudo, a pose?

 

In Bloom, a segunda faixa do álbum, é a prova disfarçada: no vídeo, a banda finge ser dos anos 60 - as raparigas gritam e puxam os cabelos, os rapazes deliram. A ironia provocatória da evocação era auto-indulgente. Servir os servos, como cantaria depois Cobain. As multidões ululantes eram servidas. Vendidos, sim, mas a gozar o melhor tempo da vida.

 

Os três sempre tiveram um sentido cénico insuperável. Cobain provocava, Novoselic seguia-o, Grohl é, sempre foi, um bom actor. Se assim é, o que diferenciava os Nirvana das bandas rock que os precederam? Encenar a verdade sempre foi o mais difícil. E Cobain acabaria por perceber isso demasiado tarde.

 

E a música, claro, a equação: um dos melhores baixistas rock dos últimos trinta anos; um Cobain que decidiu incorporar melodias trauteáveis nas suas composições; e um baterista que entrou e revolucionou o som da banda. O que mudou, de Bleach para Nevermind, passou muito pela entrada de Grohl. As variações rítmicas de Nevermind - a tal cadência lento-rápido-lento roubada aos Pixies - encaixam-se na perfeição às melodias vocais e instrumentais. E a produção de Butch Vig aprimora o som, limpa-o de impurezas, corta e cola até se encontrar o single perfeito. 

 

Mas as massas de jovens que os adoravam - no sentido religioso do termo - não poderiam perceber estas subtilezas. A eles - a mim - atraía o desespero urgente de dizer alguma coisa ao mundo. Os gritos de Cobain eram também os gritos dos jovens que o bem-estar material e o desconforto espiritual tinham castrado. Os slackers, os loosers (da canção de Beck), a geração rasca.

Contra a crise: Asfixiar

Ana Mafalda Nunes, 09.09.11
Aphex Twin - Ventolin *música asfixiante para as massas
 

Anteontem, o Ministro da Saúde fez-nos saber que existem um milhão e setecentos mil contribuintes sem médico de família e que tem como objectivo cobrir esta lacuna do Serviço Nacional de Saúde até ao final do mandato.

 

Ontem, Paulo Macedo anunciou mais uma série de medidas que visam o corte da despesa na saúde, entre as que aqui foram comentadas, propõe que já a partir de Novembro, (curiosamente) o início do período crítico para quem sofre de problemas respiratórios, se acabe com comparticipação dos broncodilatadores e antiasmáticos. Medida que asfixiará, ainda mais, um milhão de portugueses - esses malvados que não sabem respirar de forma gratuita.

 

Hoje, não me admiraria se o “Senhor Poupança no Farelo para gastar na Farinha” viesse anunciar que tem o problema da falta de médicos solucionado. Dado que sem terapêutica preventiva e de controlo a esperança de vida de um asmático decresce, presumo que passe pela cabeça estapafúrdia deste iluminado, que o número de portugueses sem médico de família venha a ter um nível de redução bastante significativo, deixando de existir a necessidade de criar despesa com a contratação de clínicos. E mais, tendo como bónus a criação de emprego e movimentação da economia no sector funerário. Desta forma, asfixiam-se dois coelhos com uma só facada.

 

A melhor música dos anos 80 (3) - Warpaint/Warpaint

Sérgio Lavos, 17.08.11

 

Quatro miúdas. Muitas horas a ouvir a música certa. A atitude certa. Uma voz de outra década planando sobre guitarras cristalinas. Amanhã, num festival perto de si (Paredes de Coura, claro).

 

*Esta série é dedicada a bandas de agora que foram buscar inspiração aos anos 80. A ideia é colocar um dos nomes novos e a seguir um teledisco (como se dizia) de um original dessa década.

A melhor música dos anos 80 (2.1) - Happy Mondays/24 Hour Party People*

Sérgio Lavos, 14.08.11

 

Guitarras indie, uma poderosa linha de baixo, teclados swingantes, uma voz que faz da desafinação um manifesto. Letras sobre drogas, festas e hedonismo dançante. Sem cowbell, mas com as maracas e os óculos com dupla lente de Bez. Um hino para uma geração.

 

*Esta série é dedicada a bandas de agora que foram buscar inspiração aos anos 80. A ideia é colocar um dos nomes novos e a seguir um teledisco (como se dizia) de um original dessa década.

Viva língua

Sérgio Lavos, 01.08.11

 

Quando Fernando Pessoa escreveu “a minha pátria é a língua portuguesa”, já tinha havido uma tentativa séria de estabelecer uma norma linguística que visava sobretudo o controlo, pelo estado português, dessa norma. Depois desta frase, muitas tentativas foram feitas para que essa norma existisse. Em 1992, foi estabelecido o Acordo Ortográfico para os países de língua portuguesa. Agora, enquanto escrevo este texto, desrespeito o acordo que entrou em vigor este ano.

 

Contudo, não desrespeito a língua. Escrevo em português, e ao escrever produzo uma língua diferente da que falo. Fernando Pessoa, quando pensou essa frase, que tão bem tem servido os interesses de uma pátria que quase nunca respeita a herança deixada pelos grandes escritores do passado, não teria com certeza em mente esta irreprimível vontade de regular essa coisa volúvel (e como a palavra se aproxima de volúpia) que é a língua. A pátria de Fernando Pessoa foi o instrumento usado para deixar a sua marca no mundo. Criar uma nova língua dentro da língua que antes havia. E se outra prova não houvesse, bastaria o facto de esta, e outras frases, do poeta continuarem a ser repetidas mais de setenta anos depois da sua morte.

 

Duvido que os belos bastardos da língua portuguesa se interessem minimamente pelo Acordo Ortográfico, com a sua regra e a sua excepção, com as supostas vantagens comerciais desta normalização forçada. Não precisam, usam a língua portuguesa como pátria, e isso é suficiente. Mia Couto, Luandino Vieira, Ondjaki, Rubem Fonseca; tudo o que eles escrevem é prova dura a superar pelos académicos bafientos que querem impor regras gramaticais e ortográficas ao resto do mundo. José Saramago e seu desengonçado flamenco prova que nada é tão rígido que não possa ser dobrado pelos anos de contacto com outra língua – ninguém poderá recusar o enriquecimento estilístico que as derivações cervantinas que os últimos romances de Saramago trouxeram. Escrever abraçando a música de outra língua abre o leque, balança o swing das mãos sobre as teclas. Há quem ouça música de negros para escrever; talvez eu precise apenas de derrogar por momentos a autoridade do meu português num longínquo gingar brasileiro para que todo meu pensamento se mova e se contorça, perca a palidez da normalidade.

 

A questão é simples: queremos uma língua pura ou uma língua mestiça? A resposta é um pouco mais complexa do que poderia parecer. O Acordo visa normalizar a mestiçagem da língua. E isso, parece-me bem claro, é um paradoxo. Nenhuma norma poderá obrigar um português a escrever como um brasileiro ou um angolano, e vice-versa. A mestiçagem é um fenómeno livre, o cruzamento de influências um fluxo libertário que não deverá ser constrangido. Ao defender isto, não colocamos em causa a existência de uma gramática. Ela existe, é verdade, e deverá existir, sobretudo para não ser respeitada. A tradição literária contemporânea vive desta liberdade. O uso de coloquialismos, calão, gíria de bandidos, é traço comum em muitos autores brasileiros actuais e começa a ser também em alguma literatura portuguesa. A invenção passa por aqui; e mesmo que continuemos a admirar o divino português do Padre António Vieira, as duas coisas não são incompatíveis: basta pensar nos diálogos nos filmes de João César Monteiro para se perceber isto.

 

A única posição esteticamente correcta nesta questão é esta: promover uma gramática comum a todos os países de língua portuguesa, na esperança de que esta seja continuamente desrespeitada por quem escreve e fala, contribuindo deste modo para que a língua portuguesa seja uma coisa viva, em permanente evolução, como qualquer língua deve ser. Se esta posição for a que vingar, não se duvide de que será o único modo de combater o predomínio da língua inglesa no actual mundo globalizado.

 

(Escrevi parte deste texto em 2008. Alterei algumas referências desactualizadas. Não mudei de opinião.)

A melhor música dos anos 80 (1.2) - Pet Shop Boys/King's Cross*

Sérgio Lavos, 01.08.11

 

Os originais são estes senhores. Grande canção, letra excelente, vídeo realizado por Derek Jarman. Um hino a Londres e à melancolia de quem vive na cidade. 

 

*Esta série é dedicada a bandas de agora que foram buscar inspiração aos anos 80. A ideia é colocar um dos nomes novos e a seguir um teledisco (como se dizia) de um original dessa década.