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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Transferências

Miguel Cardina, 01.10.12

Volta e meia, lá temos o PS a fazer o triste papel de associar a oposição de esquerda aos projectos e propósitos da direita. É o modelo clássico do pensamento sectário: quem não está comigo faz o jogo do inimigo. Três sugestões para o Largo do Rato: ou deixam de distribuir cogumelos alucinogénos no bar, ou dão umas lições avulsas de história recente aos seus dirigentes (já ninguém tem pachorra para a narrativa aldrabada sobre o PEC 4...) ou fazem um processo rápido de cura psicanalítica (que este paleio já cheira a "transferência"). E sintonizem que os tempos estão a precisar é de mais esquerda, não de abstenções violentas, hesitações indignadas e umbigos dilatados.

Dì qualcosa di Sinistra

Sérgio Lavos, 15.12.11

 

Caiu o Carmo e a Trindade. Os céus tremeram. Uma onda de indignação varre os blogues de direita. Deputados vociferam furiosamente no Parlamento contra a infâmia. Comentadores na televisão revoltam-se com a pouca vergonha. Jornalistas apresentadores de serviços noticiosos perdem a compostura e reclamam, olhos faíscando de ódio. É o horror, o horror... um deputado do PS, Pedro Nuno Santos - ainda por cima, um provinciano - atreveu-se a dizer qualquer coisa de esquerda. De esquerda! Há rumores de que em Kyoto ter-se-à sentido um pequeno terramoto. E milhares de peixes-gato deram à costa na Ilha de Páscoa. E que disse ele? Que não devemos agachar-nos perante os nossos credores; que a única arma que iremos ter, daqui a uns tempos, é o não-pagamento da dívida. Extraordinário! Extraordinário também porque vemos a direita ser anti-patriótica, a governar contra os interesses da pátria, e a esquerda - até o PS, imagine-se - a querer defender o país do saque que se prepara. Chegámos a um ponto essencial da nossa História, quando os valores tradicionais se começam a inverter. É agora ou nunca. Daqui a uns meses, será tarde; quando não pudermos mesmo pagar, quando a economia portuguesa estourar, seremos como peixes numa rede acabada de ser puxada do mar, à mercê das gaivotas. Será que nessa altura alguém se vai lembrar das palavras deste deputado, efémero herói da nação?

 

(É claro que um vice-presidente do PS vir afirmar o que será inevitável é completamente inoportuno. O muro erguido na comunicação social e na opinião pública em favor da austeridade, do respeito e da responsabilidade sofreu uma brecha. A unanimidade dos partidos do arco do poder quebrou-se. Alguém veio dizer que poderá haver alternativa ao desastre para onde estamos a ser conduzidos. E isso fere. É uma ameaça. A violência espoletada é a consequência da fragilidade do fio que une este Governo aos portugueses. As manifestações, os protestos, os apupos vão começando a aparecer. Como disse o Presidente da República, "os portugueses chegaram ao limite dos seus sacrifícios".) 

"Abstenção violenta"

Sérgio Lavos, 06.11.11

António José Seguro, o coiso que lidera o PS, ameaça entrar a toda a brida para o anedotário político nacional. Líder a prazo, já sabemos. Com o carisma de um gago a discursar na Agora ateniense. Uma nulidade ideológica, claro. Um deserto de ideias. Mas começa a mostrar verve e imaginação suficientes para aparecer num futuro volume que compile as frases marcantes de políticos. Está visto: com um Coelho e um Seguro, país ao fundo.

Da coerência de quem nunca foi coerente (a não ser na incoerência)

Sérgio Lavos, 27.06.11

É por esta, e por outras (muitas outras mais) que não faz sentido nenhum, neste momento, deixar de pensar numa alternativa de esquerda que exclua o PS, este PS tutelado por Mário Soares. O problema não está no ziguezague do fundador do partido - ainda nem há dois meses apoiava medidas para Portugal tão gravosas como as que Grécia tem sofrido; está na atitude, que no fundo é a essência do PS: quando governa, embarca num capitalismo corporativista vergonhoso, e apenas quando está na oposição se lembra do Marx a ganhar bicho na gaveta lá de casa. Com um PS assim, não! Obrigado.

Entrar mais cedo na reflexão

Miguel Cardina, 03.06.11
A grande questão que atravessará o PS pós-Sócrates será a de saber se permanecerá amarrado à troika, ao PSD e ao CDS, se tentará arrepiar caminho e encontrar pontes com a esquerda na oposição ou se toda essa tensão interna provocará (ou não) um realinhamento de alguns sectores na sua orla. À direita e à esquerda. Aceitam-se apostas.

Não há coincidências

Miguel Cardina, 01.06.11

 

José Sócrates e Pedro Passos Coelho não partilham só o facto de terem assinado o memorando da troika e se disponibilizarem a aplicá-lo com zelo. Une-os também um percurso de vida semelhante: passos políticos iniciais numa juventude partidária (ambos na JSD, curiosamente), um lugar precoce como deputado, ligações directas ou indirectas ao mundo dos negócios. Estão igualmente irmanados por um sinuoso percurso académico tardiamente concluído em universidades privadas - Sócrates na extinta e polémica Independente; Passos Coelho na Lusíada, conhecida por acolher muitos políticos do PSD. Isto, dirão alguns, é espuma intriguista. Para estes importa sobretudo o acinte comicieiro de logo à noite, a frase no telejornal, a dramatização dos acólitos. O espectáculo pós-democrático.

 

A verdade é que nunca as escolhas foram tão claras e a política tão urgente. E - precisamente por isso? - nunca o confronto entre os dois partidos do grande centro soou tão plástico. Com Portas pelo meio, imaginando-se já num lugar de vice-rei independentemente do partido vencedor, fala-se muito para ter de dizer nada. Discute-se acaloradamente alterações ao memorandum para não debater o seu conteúdo; fala-se de "honrar os compromissos" para não abordar o tema da renegociação da dívida; agita-se a bandeira do "grande esforço nacional" para não dizer que esta crise, criada pela especulação financeira, vai ser paga pelos cidadãos, pelo desmantelamento do estado social e por um pacote de privatizações irracionais. Este domingo vota-se e uma coisa é certa: as coisas só mudam se escolhermos efectivamente mudar.

Mau ilusionismo*

Miguel Cardina, 29.04.11

 

O programa do PS agora apresentado é um mau truque de ilusionismo. O editorial do Público de ontem chama-lhe «um programa igual a um carro usado» e nota como as medidas avulsas, genéricas e requentadas ali apresentadas são «um sintoma de esgotamento típico de um fim de ciclo». Parece-me uma caracterização acertada. Aspecto importante: desaparecem grande parte das medidas contidas no PEC IV, que Sócrates tão arrebatadoramente defendeu e cujo chumbo considerou uma manobra lesa-pátria das oposições unidas. Sobretudo medidas que o eleitorado tradicional de esquerda poderia ver com maus olhos, como o congelamento de salários na função pública, os cortes nas pensões e o aumento do IVA. Não é a primeira vez que em momentos eleitorais vemos o PS tentar passar a imagem de que é diferente do que tem sido no poder.

 

Mas desta vez a coisa corre o risco de parecer ainda mais anacrónica. É que um dos elementos mais curiosos do programa é a inexistência de referências ao FMI, que verdadeiramente irá fazer o programa do futuro governo. José Sócrates e Pedro Passos Coelho, com a bênção de Cavaco e da banca portuguesa, governarão com o programa de austeridade desenhado pela troika. E governarão muito provavelmente coligados, caso as sondagens estejam certas e a preferência do parceiro de aliança se mantenha inalterada. Estamos, pois, diante de uma jogada de ilusionismo de baixo calibre. Quando a 16 de Maio for apresentado o pacote FMI e os líderes do PS e PSD forem obrigados a entender-se com base nessa plataforma, a audiência terá diante dos olhos aquilo que já é evidente para todos: o truque desvendado. Sócrates de mão dada com Passos Coelho ao mesmo tempo que procura sacar com a outra mão a rosa escondida na manga do casaco. Convencerá alguém?

 

* Texto inicialmente publicado no Blogue de Esquerda, da revista Sábado, onde estarei nestes dias a participar na "Semana do Blogger Convidado". Deixo um agradecimento especial à Marta Rebelo pelo convite e uma sugestão para que passem por lá.

Partido Socratista

Miguel Cardina, 10.04.11

José Sócrates pede aos militantes que gritem que estão com ele. A sua moção vence com mais de 97% dos votos. Duas ou três vozes dissonantes falam para uma sala vazia. Há comoção nos apelos à unidade. Quando hoje regressou ao palco, o líder salvador que não estava disponível para governar com o FMI, não encontrou bandeiras do PS mas apenas bandeiras nacionais. E muitas câmaras, telepontos, vídeos de ex-líderes a entronizá-lo e música grandiloquente. O autismo é uma arma?