Rui Rio, conhecido como "O Entaipador Implacável da Ribeira", decidiu uma vez mais enviar os gorilas da polícia municipal para vandalizarem um projecto cidadão que tinha ocupado um espaço público deixado ao abandono, no caso a biblioteca infantil Ivo Cruz. Não devemos duvidar: Rui Rio prefere o vazio à cultura, a violência institucional à participação cidadã na construção da cidade do Porto. Como vi escrito no Facebook, assim que Rio ouve falar em cultura, saca dos tapumes. Modos de vida. Mas não é isso o mais intrigante neste caso de assoberbamento cro-magnon do presidente da câmara portuense.
No dia em que a biblioteca foi assaltada pela polícia, o Diário de Notícias noticiou o caso. O bizarro da situação é que o jornal saiu para as bancas cerca de três horas antes do caso ter acontecido. A notícia - sem assinatura - falava em "injúrias e agressões a agentes", quantifica o número de pessoas identificadas e especula sobre a origem dos ocupantes do espaço. Este extraordinário exercício da adivinhação dado à estampa no Diário de Notícias teve pouca repercussão na realidade; a efectiva vandalização do espaço pela polícia, acontecida três horas depois desta notícia ter começado a ser lida, acabou por decorrer sem "injúrias e agressões" nem outros fenómenos paranormais de monta.
Contactado pela associação que ocupara o espaço, o provedor do DN defendeu o jornal dizendo que a notíciaa tinha sido escrita com base num comunicado da polícia enviado na noite anterior. Fantástico país, este, em que membros da polícia se dedicam a escrever notícias que depois enviam aos jornais, e ainda por cima notícias sobre o futuro, sobre o que ainda está para acontecer. Fabulosa nação, também, aquela em que um jornal - por sinal, o mais antigo publicado em Portugal - recebe notícias redigidas pela polícia e as publica como sendo suas e verdadeiras.
Contado não se acredita, dirão. Mas eu acrescento: a verdade e a realidade, tudo vão, tudo ilusório. Acreditamos no que queremos acreditar, mesmo que seja má ficção escrita por um péssimo polícia.
Adenda: o provedor do jornal, Óscar Mascarenhas, deixou na caixa de comentários um esclarecimento sobre a sua actuação que julgo ser premente deixar aqui. Diga-se que nunca duvidei da competência de Óscar Mascarenhas, que tem mostrado, em outras situações ocorridas no DN - por exemplo, o caso da contra-notícia enviada pelo Governo para a redacção no dia de uma greve de transportes - bastante competência e sobretudo independência nas suas análises, nunca se furtando a criticar e a melhorar os procedimentos do jornal para o qual trabalha. Aqui fia então, com um pedido de desculpas pelo equívoco cometido:
"Caro Sérgio Lavos:
Não fui contactado pela associação nem defendi coisa nenhuma. Já esclareci no blogue respetivo e repito-o aqui:
Pretendo retificar aqui um equívoco. "O provedor do leitor deste jornal foi contactado, e defendeu que aquela peça foi baseada num comunicado da polícia enviado na noite anterior". Esta afirmação não corresponde à verdade. A Sra. Patrícia Dias da Silva contactou-me (sem me dizer se representa ou não mais alguém, mas isso é indiferente) e respondi-lhe: "Já recebi uma reclamação anterior sobre esta notícia e pedi esclarecimentos urgentes à Direção do DN, sendo certo que a notícia parece sustentar-se em informações fornecidas por forças policiais.
Obrigado pelo alerta." Não "defendi" coisa nenhuma, prometi averiguar e bem dispensava que a minha resposta fosse tão completamente deturpada. A análise do que aconteceu sairá na edição de amanhã, dia 23, do DN. Oscar Mascarenhas (Provedor do Leitor do DN).