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Arrastão: Os suspeitos do costume.

O animal feroz

Sérgio Lavos, 28.03.13

1) O PSD, o CDS e Cavaco Silva (aquele que hoje denunciou, sem se rir, colocando a sua melhor cara de pau, a "intriga política") tinham razão para estarem preocupados com o regresso de Sócrates. Sobretudo o CDS, que reclamou contra a sua escolha pela RTP.

 

2) Dois anos depois, Sócrates conserva todas as suas qualidades e todos os seus defeitos. Continua a preparar-se de forma superior para as aparições em público, estuda os dossiers, sabe conduzir a entrevista e controlar o seu ritmo, falando apenas do que quer que seja falado, e nos seus termos. Também continuam presentes a arrogância e a crispação - Paulo Ferreira foi quem mais sofreu com isso.

 

3) Tudo somado, olhando para Sócrates percebemos por que razão António José Seguro nunca se conseguirá afirmar como líder da oposição. E percebemos também que ao estilo untuoso e bem colocado de Passos Coelho - perigoso na sua essência porque as mentiras passam de forma mais açucarada e agradável - terá de se opôr um estilo combativo e truculento, capaz de se afirmar fugindo ao ramerame da moleza da actual oposição.

 

4) Todos sabíamos que Cavaco Silva é o sonso mais bem sucedido da vida política portuguesa. O político profissional há mais tempo no activo, sem nunca deixar de se fazer passar por não político; o intriguista que tece na sombra as sombras do seu poder; e o egocêntrico inseguro que tenta pairar acima da sujeira da política. José Sócrates fez muito bem em atacá-lo directamente, afirmando num palco bem visível o que já se vinha sendo dito em surdina há muito tempo. Cavaco conspirou para fazer cair o Governo de Sócrates. E não foi apenas em 2011. Antes das eleições de 2009, já o tinha tentado. Nunca deixou de fazer letra morta do dever de isenção a que a sua função obriga, tentando derrubar os dois governos de Sócrates, mas também continuando a manter este Governo em funções, apesar do descalabro do país. Cavaco não só não está acima da política, como não está, de modo algum, acima dos partidos. E demonstrar esta evidência terá sido o maior contributo desta entrevista. 

 

5) Daqui para a frente, o Governo não vai poder dormir descansado com os comentários semanais de Sócrates. Hoje já deu a entender o que aí vem, querendo falar dos erros de governação que estão a ser cometidos. Foi pena que os dois entrevistadores - uma vez mais, com uma prestação fraca - não o tenham deixado desenvolver esse tema. Dificilmente regressará à política activa, mas será muito importante na definição do debate público. Se a sua contratação foi uma jogada do Dr. Relvas, o tiro terá saído pela culatra. Mais um, de resto. A continuar assim, o Governo não durará muito. E não cairá; sairá com benzina, porque é uma nódoa.

Desvario e loucura

Sérgio Lavos, 26.03.13

Sabemos que a direita opinativa bateu no fundo quando compara o espaço de comentário oferecido a José Sócrates na RTP com a tolerância de uma escola perante um cartaz com Hitler. Quem é a autora de tal feito? Esther Mucznik, a propagandista da causa israelita que anda há anos a defender o apartheid palestiniano e que comete a proeza de, numa penada, desvalorizar os crimes do nazismo, ao compará-los com as políticas (certas ou erradas) dos governos socialistas, e equivaler Hitler e Sócrates, produzindo um dos mais absurdos argumentos reductium ad hitlerum de sempre. E sugerindo ainda a censura de Sócrates - de resto, repetindo uma ideia que outros comentadores de direita têm vindo a defender. Tudo isto numa crónica que pretendia ser uma denúncia justa dessa tal situação ocorrida numa escola. O desvario da direita perante o regresso de Sócrates é tão surreal que começo a achar que Sócrates fez bem em voltar à política neste momento. Afinal, esta direita neocon está com medo de quê?

Sócrates, o Gungunhana de Passos Coelho

Sérgio Lavos, 21.03.13

Faço minhas estas palavras de Rui Rocha:

"Devo ser claro. Não acredito na neutralidade política da RTP. E, se alguém por aí acredita, que levante o braço. Alguém? Pois. Ora, é à luz deste ponto de partida e do actual contexto político que deve ser analisado o regresso de Sócrates à RTP. O que temos então? Temos uma televisão pública dependente do poder político. E uma contexto de degradação das condições políticas do actual governo. Olhemos por um momento para o executivo, para percebermos melhor. O primeiro-ministro está, desde o princípio, prisioneiro de promessas eleitorais que foi quebrando, uma a uma. E de um discurso politicamente imberbe ao qual foi adicionando, nos piores momento, uma boa dose de  hostilidade em relação aos portugueses (as alusões à pieguice, ao desemprego como oportunidade, etc.), ao mesmo tempo que mostrava uma intolerável complacência com todas as distorções instaladas. O seu putativo braço direito, Miguel Relvas, revelou-se, pelas razões que todos conhecemos, o seu pé esquerdo. Alguma dignidade que restasse, ficou irremediavelmente comprometida quando entendeu partilhar com o país os dotes de barítono, entoando a Grândola. O ministro das finanças está completamente descredibilizado. Chegámos ao ponto de a Ordem dos Cartomantes, na pessoa do bastonário Marcelo Rebelo de Sousa, se permitir mandar o ministro ver se chove. O ministro da economia, por seu lado, é a nulidade que se conhece, perfil aliás absolutamente alinhado com a intenção governativa inicial de estabelecer um diktat das finanças. O resto do governo, bem, é o resto do governo, com Paulo Portas sempre fora, mesmo nas poucas ocasiões em que está cá dentro. No mais, temos uma situação económica e financeira insustentável, uma dívida impagável, e terminaremos, mais cedo ou mais tarde, por embater (ainda mais) violentamente com a realidade. Ora, sendo tudo isto assim, o regresso de Sócrates ao espaço público e mediático só pode ser entendido como um facto ao qual o actual governo não só não se opõe como, na verdade, deseja. À falta de factos relevantes de governação, de reformas estruturais, de presente e, sobretudo, de futuro, nada melhor do que a exposição periódica do responsável pelo passado. Sócrates, completamente descredibilizado pessoal e politicamente, coisa que só os apaniguados mais veementes e o próprio não entendem, é a cortina de fumo ideal para lançar sobre a situação do país, recordando em permanência aos portugueses quem é o principal responsável pela situação. Que o governo participe nesta manobra de diversão, diz bem da sua fraqueza. Que Sócrates se preste a ser exibido publicamente como o Gungunhana de Passos Coelho só será surpreendente para alguns: aqueles que esquecem a sua imensa vaidade, o seu desproporcionado autoconceito e a entranhada falta de vergonha que sempre ostentou."

A nova escola de hermenêutica anti-socrática

Sérgio Lavos, 12.12.11

Ao longo da última semana, temos vindo a assistir ao nascimento de uma nova espécie de comentador: o hermeneuta-telepata do pensamento de José Sócrates. Uma afirmação clara, claríssima, do antigo primeiro-ministro, e verdadeira para além de qualquer dúvida, deu azo à criação de páginas e páginas de pensamento que visa analisar as implicações, segundos sentidos, leituras esotéricas e discursos subliminares da coisa. Chega-se ao ponto de - Pedro Santos Guerreiro no Eixo do Mal é o exemplo desta corrente - concordar-se com a afirmação de Sócrates, acrescentando-se de seguida que ele não tem legitimidade para a proferir. O reino do maravilhoso onde vivemos é de assombrar: transforma-se o que vai além de qualquer subjectividade interpretativa, uma verdade, numa realidade subjectiva. O que é verdade na boca de Pedro Passos Coelho é mentira e uma afronta ao povo português por parte de Sócrates. Vivemos tempos difíceis: a alucinação colectiva vai substitituindo a razão. Na ânsia de encontrar um culpado interno para os nossos males, há quem deixe cair uma densa nuvem de poeira sobre o entendimento. Receio o que possa acontecer quando se chegar à conclusão de que a culpa da austeridade recessiva aplicada por este Governo não é do anterior primeiro-ministro. Quando chegar esse dia, onde estaremos nós?

Sócrates - a sequela?

Sérgio Lavos, 08.12.11

É curioso como o regresso de José Sócrates aos jornais e à televisão se transformou na notícia do dia, relegando a "histórica" cimeira de Bruxelas para segundo plano. Em apenas dois dias fez mais pelo PS e pela oposição do que Seguro em 3 meses - arrisco dizer, mais do que este alguma vez fará. O homem pode até estar quase sempre errado*, mas não deixa de ter um apelo muito mais veemente do que o inenarrável Seguro ou o vil e apagado Coelho.

 

* Neste caso, não está; é absurdo pensar-se na inexistência de dívida pública ou externa. Apenas os países com economias fechadas (Coreia do Norte) ou primitivas (as ilhas do Pacífico, por exemplo) conseguem aproximar-se desse objectivo.

Entrar mais cedo na reflexão

Miguel Cardina, 03.06.11
A grande questão que atravessará o PS pós-Sócrates será a de saber se permanecerá amarrado à troika, ao PSD e ao CDS, se tentará arrepiar caminho e encontrar pontes com a esquerda na oposição ou se toda essa tensão interna provocará (ou não) um realinhamento de alguns sectores na sua orla. À direita e à esquerda. Aceitam-se apostas.

Mau ilusionismo*

Miguel Cardina, 29.04.11

 

O programa do PS agora apresentado é um mau truque de ilusionismo. O editorial do Público de ontem chama-lhe «um programa igual a um carro usado» e nota como as medidas avulsas, genéricas e requentadas ali apresentadas são «um sintoma de esgotamento típico de um fim de ciclo». Parece-me uma caracterização acertada. Aspecto importante: desaparecem grande parte das medidas contidas no PEC IV, que Sócrates tão arrebatadoramente defendeu e cujo chumbo considerou uma manobra lesa-pátria das oposições unidas. Sobretudo medidas que o eleitorado tradicional de esquerda poderia ver com maus olhos, como o congelamento de salários na função pública, os cortes nas pensões e o aumento do IVA. Não é a primeira vez que em momentos eleitorais vemos o PS tentar passar a imagem de que é diferente do que tem sido no poder.

 

Mas desta vez a coisa corre o risco de parecer ainda mais anacrónica. É que um dos elementos mais curiosos do programa é a inexistência de referências ao FMI, que verdadeiramente irá fazer o programa do futuro governo. José Sócrates e Pedro Passos Coelho, com a bênção de Cavaco e da banca portuguesa, governarão com o programa de austeridade desenhado pela troika. E governarão muito provavelmente coligados, caso as sondagens estejam certas e a preferência do parceiro de aliança se mantenha inalterada. Estamos, pois, diante de uma jogada de ilusionismo de baixo calibre. Quando a 16 de Maio for apresentado o pacote FMI e os líderes do PS e PSD forem obrigados a entender-se com base nessa plataforma, a audiência terá diante dos olhos aquilo que já é evidente para todos: o truque desvendado. Sócrates de mão dada com Passos Coelho ao mesmo tempo que procura sacar com a outra mão a rosa escondida na manga do casaco. Convencerá alguém?

 

* Texto inicialmente publicado no Blogue de Esquerda, da revista Sábado, onde estarei nestes dias a participar na "Semana do Blogger Convidado". Deixo um agradecimento especial à Marta Rebelo pelo convite e uma sugestão para que passem por lá.

Partido Socratista

Miguel Cardina, 10.04.11

José Sócrates pede aos militantes que gritem que estão com ele. A sua moção vence com mais de 97% dos votos. Duas ou três vozes dissonantes falam para uma sala vazia. Há comoção nos apelos à unidade. Quando hoje regressou ao palco, o líder salvador que não estava disponível para governar com o FMI, não encontrou bandeiras do PS mas apenas bandeiras nacionais. E muitas câmaras, telepontos, vídeos de ex-líderes a entronizá-lo e música grandiloquente. O autismo é uma arma?