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Arrastão: Os suspeitos do costume.

MEC e António Arnaut

Sérgio Lavos, 25.09.13

Ainda há quem tenha dignidade, integridade e coerência neste mundo onde a mentira é lei e a pulhice regra. Isto aplica-se a Miguel Esteves Cardoso, o autor do texto, e a António Arnaut, o homenageado nestas linhas: 

 "Já me tinha esquecido da integridade. Deve ter sido isso que me fez chorar. É aquilo que tem António Arnaut, um dos fundadores do Serviço Nacional da Saúde (SNS) que, sofrendo de cataratas nos olhos, não só recusa todos os favores dos amigos para ser operado no sector privado, como insiste em ser operado pelo SNS, como qualquer utente anónimo.


No PÚBLICO foi justamente elogiado por denunciar a campanha cada vez mais descarada para propagandear as empresas hospitalares com fins lucrativos à custa dos hospitais públicos do SNS.

António Arnaut tem dinheiro e amigos para já estar livre das cataratas há mais de seis meses. Mas escolheu esperar e sofrer para ser igual às ideias dele. Que, no caso dele, foram tornadas em instituições que beneficiam todos os portugueses, salvando as nossas vidas. Há um aspecto, no entanto, que ainda é mais corajoso e honesto: é que António Arnaut, para além de rebelde, ainda acredita na qualidade do SNS que criou. Não é acreditar: sabe que o SNS tem qualidade. Tem é medo que a privatização obsessiva em curso liquide o SNS. Entenda-se: vender a algumas empresas endinheiradas, por um preço baixo, tudo o que pertence a todos os portugueses, por ter sido completamente pago pelos impostos que pagamos.

António Arnaut não é um mártir: é um grande político que usa todos os meios ao dispor dele para conseguir o que deseja para os outros. Para os outros, com ele próprio incluído. Ele quer ser - e é - como todos nós."

 

MIGUEL ESTEVES CARDOSO, PÚBLICO, 24/09/2013

"Reformar" de uma vez por todas os doentes oncológicos

Sérgio Lavos, 05.08.13

As "reformas" no ministério do competentíssimo Paulo Macedo também estão a correr a bom ritmo. Tudo de acordo com o plano: da troika, do Governo, de Deus. Quando hospitais começam a recusar doentes por causa dos cortes orçamentais, como está a acontecer com o de Cascais - que se saiba, porque nos outros a situação não será diferente - sabemos que estamos no bom caminho. E quando esses tratamentos são recusados a doentes oncológicos, nos IPO's do país, então podemos ter a certeza de que tudo de facto não poderia estar a correr melhor. Paulo Macedo é um génio da finança que aumenta taxas moderadoras e corta nos tratamentos a doentes, terminais ou não, tudo em nome da sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. Este plano divino, posto em prática pelo Governo PSD/CDS com o apoio da troika, deixa de fora as classes privilegiadas do país, incluindo os governantes que decidem, pois claro. Quem tem dinheiro, se por acaso tiver o azar de ser diagnosticado com cancro, poderá sempre ser tratado num hospital privado ou até mesmo no estrangeiro. Os pobres, que morram. Quanto mais depressa, melhor; até porque um doente oncológico é um peso para o SNS, um número que tem de ser melhorado. Está tudo a correr bem, é assim o bonito ajustamento. 

Os ovos, as raposas e um porta-voz destas

Miguel Cardina, 20.08.12

 

Cavaco Silva está de férias no Algarve mas interrompeu o seu merecido descanso para inaugurar um hospital privado, em Albufeira, pronto em cerca de um mês. Instado a comentar notícias como esta, que apontam para um corte de 200 milhões no SNS em 2013, o presidente lá explicou que está de férias no Algarve, em merecido descanso, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, haja paciência. E lá seguiu para o corte do bolo.

"É preciso tomar decisões difíceis para garantir a sustentabilidade do SNS" - Paulo Macedo

Sérgio Lavos, 11.07.12

 

Calhou estar agora a ler Histórias de Londres, um delicioso livro de viagens de Enric González (antigo correspondente do El País na capital britânica), recentemente editado pela Tinta da China na excelente colecção de relatos de viagem coordenada por Carlos Vaz Marques. A passagem que transcrevo é exemplar:

 

"A revolução conservadora de Margaret Thatcher - permita-se-me a digressão - teve consequência profundas no National Health Service, o antigo e de longa data exemplar sistema britânico de saúde pública. Descentralizou-se o sistema, deu-se autonomia aos hospitais, fomentou-se a competição entre eles e criou-se um pseudomercado da doença, cuja eficácia se media em número de tratamentos: quem captava o maior número de pacientes, recebia o maior volume de recursos públicos. Simultaneamente, favoreceu-se com incentivos fiscais a subscrição de seguros privados. Tudo isso conduziu, como noutros países europeus, a um sistema sanitário cada vez mais classista: clínicas totalmente privadas para os muito ricos, centros certificados e com um nível excelente no tratamento de treçolhos, panarícios, tornozelos torcidos e outros males baratos, e à lenta decadência dos serviços dedicados às doenças mais graves, aquelas que nunca poderão ser rentáveis. Thatcher e o seu cinzento sucessor, John Major, levaram no entanto a coisa a extremos nunca vistos na Europa continental. Desistia-se de operar fumadores cardíacos porque eles tinham escolhido a sua sorte, ou punham-se de parte os tratamentos mais dispendiosos, inclusive quando se tratava de crianças à beira da morte, se as probabilidades de êxito fossem escassas. A palavra de ordem era reduzir custos. (...)

Nos últimos anos da administração conservadora, os noticiários da televisão e as páginas dos jornais transformaram-se numa galeria permanente de doentes em lista de espera, rostos cianosados e dramas terríveis. Chegou a ser relativamente comum ir fazer uma operação a França ou à Alemanha, aproveitando os convénios europeus de reciprocidade. Entretanto, os thatcheristas protestavam contra os "reaccionários" que se opunham às suas reformas. John Redwood, um ministro tory comparável pela sua frieza ao Mr. Spock de Star Trek - uma comparação que não fazia justiça a Mr. Spock -, afirmou a certa altura que tudo não passava de "um choque entre liberdade e servidão". Palavras de Redwood: "Nós, do lado da liberdade, propomos que o paciente possa escolher o local onde quer tratar-se e o tipo de tratamento que recebe, e que decida individualmente o custo que quer que o tratamento da sua doença concreta tenha". Ou seja: tenho um caroço no peito mas só posso gastar 50 libras; creio, em nome da liberdade de escolha, que vou optar por um tratamento de pomada na minha própria casa.

 

 Qualquer semelhança com a actual realidade nacional não é pura coincidência.

 

(Sublinhados meus.)

Um país em estado de sítio

Sérgio Lavos, 20.01.12

 

«Serviços de internamento cheios obrigam a pôr doentes nos corredores do Sta. Maria.

 

Uma fonte próxima da principal unidade do Centro Hospitalar de Lisboa Norte (CHLN) disse mesmo ao PÚBLICO que “o Hospital de Santa Maria virou um autêntico hospital de campanha” nos serviços de internamento, “porque é o cenário que mais se assemelha à realidade vivida nestes serviços nos últimos tempos”

 

 “Além dos 21 utentes que podem receber em camas no internamento, quase todos os serviços estavam com 10 utentes internados ao longo do corredor numa maca”

 

José Pinto da Costa apontou ainda a crise como outra razão para o excesso de afl uência ao hospital, que levou a que muitas pessoas deixassem de ter um seguro de saúde.» 

 

 

De realçar o falhanço da estratégia do antigo gestor da Medis, Paulo Macedo, para convencer os utentes a recorrerem aos serviços de saúde privados, destruindo assim o SNS. Por causa da crise, e mesmo com um agravamento brutal das taxas cobradas pelos serviços de saúde públicos, não há dinheiro para CUF's ou Hospitais das Luzes. Só os ricos continuam a poder ter esse privilégio. Em tempos de acelerado empobrecimento, as desigualdades sociais crescem ainda mais no país mais desigual da UE.

Contra a crise: Asfixiar

Ana Mafalda Nunes, 09.09.11
Aphex Twin - Ventolin *música asfixiante para as massas
 

Anteontem, o Ministro da Saúde fez-nos saber que existem um milhão e setecentos mil contribuintes sem médico de família e que tem como objectivo cobrir esta lacuna do Serviço Nacional de Saúde até ao final do mandato.

 

Ontem, Paulo Macedo anunciou mais uma série de medidas que visam o corte da despesa na saúde, entre as que aqui foram comentadas, propõe que já a partir de Novembro, (curiosamente) o início do período crítico para quem sofre de problemas respiratórios, se acabe com comparticipação dos broncodilatadores e antiasmáticos. Medida que asfixiará, ainda mais, um milhão de portugueses - esses malvados que não sabem respirar de forma gratuita.

 

Hoje, não me admiraria se o “Senhor Poupança no Farelo para gastar na Farinha” viesse anunciar que tem o problema da falta de médicos solucionado. Dado que sem terapêutica preventiva e de controlo a esperança de vida de um asmático decresce, presumo que passe pela cabeça estapafúrdia deste iluminado, que o número de portugueses sem médico de família venha a ter um nível de redução bastante significativo, deixando de existir a necessidade de criar despesa com a contratação de clínicos. E mais, tendo como bónus a criação de emprego e movimentação da economia no sector funerário. Desta forma, asfixiam-se dois coelhos com uma só facada.

 

PRDC - PRocesso de Demolição em Curso

Sérgio Lavos, 08.09.11

 

Definitivamente, o nosso caríssimo ministro da Saúde está a mostrar serviço. Seria de esperar, com o seu currículo. O homem com a fama de ter endireitado a Direcção-Geral de Impostos - fama e proveito, diga-se, e nisto da cobrança de impostos a eficiência cai sempre bem à direita, sobretudo quando a mão fiscal não chega às contas fora do país e às grandes fortunas e limita-se a ser inflexível como quem não pode fugir, a agora sacrossanta classe média assalariada e os profissionais liberais. Mas adiante. O homem que conseguir cobrar mais impostos do que os seus antecessores tornou-se uma espécie de messias para um hipotético governo de direita. E quando a direita chega ao poder, lá está ele. Paulo Macedo corre mesmo o rico de ser o único ministro unânime de um Governo rapidamente caído em desgraça. As comadres do PSD - Pacheco Pereira, Manuela Ferreira Leite, Marques Mendes e até o todo-o-terreno Vasco Graça Moura - apressaram-se a dar estaladas no bebé da incubadora e agora preparam-se para esmagá-lo impediosamente. Enquanto isso, o catita Passos Coelho saltita por Berlim e Bruxelas em nobre missão de apajamento da longínqua suserana do país, deixando o governo entregue a um novato da política, Vítor Gaspar, que se multiplica em anúncios de medidas e entrevistas televisivas, e a um estranhamente ausente Álvaro, chamado três vezes ao parlamento e três vezes negando (como Tomé) a pretensão dos aborrecidos deputados. Não iremos especular sobre um possível retiro espiritual em Montreal; debrucemo-nos antes sobre o herói - até agora - deste Governo, Paulo Macedo. Competência não lhe falta, julgando não só pela referida eficácia na DGI mas também pelo invejável currículo na área da Saúde. Um cínico poderia dizer que não, ele não tem experiência na área da Saúde. Mas caramba, picuinhices, meus amigos, isso são meras picuinhices. Alguém que foi vice-presidente (não executivo) de várias empresas do Millenium BCP, a saber, Grupo Segurador; Ocidental e Médis, Companhia Portuguesa de Seguros de Saúde (entre outras), está mais do que habilitado a tomar conta do sector e a tornar rentável o que é um peso enorme para o Estado. E as medidas anunciadas nos últimos dias indicam que se vai no bom caminho - talvez por isso eu não entenda a irritação deste senhor (e não se preocupe, que eu não me senti mal tratado; já pelo Governo que o senhor apoia, isso é outra história), primeiro porque não explica porque está irritado e segundo porque eu percebo muito bem - que absurdo achar-se o contrário - que "o nosso país de direitos e regalias para todos está alegremente falido"; por isso é que o Governo PSD/CDS está a trabalhar no sentido de transformar este num país de direitos e regalias para alguns. E Paulo Macedo é um dos pontas-de-lança do processo de demolição do Estado Social em curso. Por esta razão, parece-me também absolutamente natural que ele tenha escolhido um antigo gestor do BPN que levou duas empresas na área da Saúde à falência - ou perto disso - para liderar um grupo que vai estudar a criação de mecanismos que "sejam incentivadores de geração de receita própria". Um serviço social que gera receita não será um ovo de Colombo; os hospitais EPE são o exemplo vivo disso: geram receita à conta dos dinheiros que recebem do Estado. Já os hospitais públicos, é a desgraça que se conhece: dão um prejuízo brutal tratando de doentes de todas as classes sociais. Onde já se viu? Temos, definitivamente, de acabar com este estado de coisas. Por isso fica aqui o meu agradecimento e uma ou duas sugestões a Paulo Macedo: que tal fundir os hospitais e os centros de saúde com as repartições das finanças? Ou os bancos de sangue com os gabinetes de atendimento da Médis? Os recursos que se poupariam deste modo, a "receita" que não se recolheria! 

Ideias lebres para salvar Portugal (3)

Sérgio Lavos, 06.09.11

Rumo a um Serviço Assistencialista de Saúde?

Miguel Cardina, 07.01.11

 

Diz Cavaco Silva no seu manifesto de candidatura:

 

«O debate em torno do Serviço Nacional de Saúde não deve ser marcado por preconceitos ideológicos, de um lado e de outro. Neste domínio, mais do que questionar a existência ou não do Serviço Nacional de Saúde – algo que, verdadeiramente, não importa sequer debater -, o que interessa é discutir que formas existem para garantir a sua sustentabilidade, garantindo o acesso de todos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados de saúde.»

 

Atente-se nos bolds. Em primeiro lugar, a ideia de que o debate sobre o SNS não deve ser marcado por “preconceitos ideológicos”. Ao considerar a “ideologia” – a política, em suma – como preconceituosa, Cavaco está a revelar o modo como ele próprio a entende: enquanto tarefa de “gestão” praticada por um estrito e opaco conjunto de tecnocratas. A expressão que se segue - “de um lado e de outro” - ajuda a salientar o carácter aparentemente neutral da actividade. Como se, no fundo, o que estivesse em causa fosse traçar uma bissectriz entre duas posições extremadas e encontrar a recomendável solução intermédia. Um meio-termo a-ideológico que neste caso concreto não passa de fumaça retórica. A defesa da integridade do SNS é uma posição extremada? O outro pólo de radicalismo é o aniquilamento completo do sistema? O meio-termo exige o financiamento da oferta privada de saúde de modo a que se possa criar um sistema paralelo robusto e competitivo?

 

No fundo, Cavaco Silva sabe que a saúde está na mira do apetite privado e o apetite privado sabe que tem em Cavaco o seu representante. Só que há trabalho a fazer. Num país onde ainda persistem fortes bolsas de pobreza e insegurança, o Serviço Nacional de Saúde constitui uma das mais fortes traves de confiança das populações. Portanto, convém frisar bem que a sua existência “não importa sequer debater”. O que importa debater é a sua “sustentabilidade”. Só que Cavaco não pretende falar da suborçamentação ou do despesismo no quadro de um serviço de saúde público e universal. Pretende, isso sim, terminar com uma pirueta arriscada, sugerindo que se calibre a busca de formas de sustentabilidade com a garantia de acesso à saúde de todos “independentemente da sua condição económica". Estará Cavaco a elogiar um sistema que se propõe tratar todos os cidadãos por igual, independentemente do seu rendimento? Ou, pelo contrário, considera que o Estado deve acarinhar o florescimento   de uma alargada rede privada de saúde, que necessariamente remeterá o tratamento dos pobres para um serviço público de saúde mínimo e descapitalizado?

 

Quer-me parecer que a segunda hipótese é a que mais se aproxima do espírito do parágrafo. No fundo, o trecho está bem mais próximo do projecto de revisão constitucional do PSD do que da Constituição que Cavaco pretende jurar e fazer cumprir.

 

Publicado também em Alegro Pianíssimo